Especialistas explicam os procedimentos para melhorar a qualidade do complexo lagunar da Baixada de Jacarepaguá
A Barra da Tijuca possui quatro lagoas: Tijuca, Camorim, Jacarepaguá e Marapendi. As quatro são artificialmente interligadas por um canal junto as aguas salgadas do mar, uma iniciativa feita nos primórdios da Barra para evitar a proliferação do mosquito transmissor da febre amarela. Essas mesmas lagoas eram límpidas e cristalinas nas décadas de 60 e 70, sendo comum encontrar pescadores e moradores da região se refrescando em suas águas.
Porém durante muitos anos, o crescimento de forma desenfreada da região e com poucos cuidados ambientais vindos das novas edificações que aqui se instalaram, juntamente com a expansão da vizinha Jacarepaguá, que trouxe diversas ocupações irregulares, os 15 rios e canais que desembocam na lagoa, começaram a ficar assoreados, quase que por inteiro, devido aos dejetos e esgoto jogados in natura nas águas. Por muitos anos, os condomínios de moradores eram vistos como os grandes vilões da destruição de todo o Complexo Lagunar, contudo, foi um equívoco. Para poder comercializar os apartamentos aqui, as construtoras responsáveis tinham, por lei, que montar suas próprias Estações de Tratamentos de Esgoto (ETE), justamente para tratar todos os resíduos e não despeja-los in natura. Fora isso, os condomínios pagavam uma taxa para que a CEDAE fizesse a coleta desses dejetos. Porém, por muitos anos, a CEDAE não cumpriu seu papel e o esgoto acabava indo parar para onde não devia.
Durante a década de 80, muito se falou e discutiu sobre a necessidade de cuidar do esgoto, porém, pouco se fez. A ideia de ligar as ETEs a um Emissário Submarino, que ficaria localizado no mar, recebeu resistência de algumas associações de moradores que junto com a Federação das Associações de Moradores do Rio de Janeiro criaram a campanha “Cocô na praia, não!”. A ação deu resultado e o Emissário não foi criado, a verba existente e destinada para tal acabou sendo revertida para obras em outros pontos do Estado. Porém, em 2002 após o anúncio de que o Brasil seria o país sede dos Jogos Pan-americanos, o assunto para a Despoluição do Complexo Lagunar da Barra, voltou a surgir. Contudo nada foi feito, os jogos aconteceram e a questão continuou em aberto.
A luz no fim do túnel surgiu com o anúncio oficial de que o Rio de Janeiro seria a sede dos Jogos Olímpicos em 2016, com a Barra sendo o coração pulsante dos jogos, a dragagem e limpeza das lagoas acabou sendo um dos compromissos do Brasil com o Comitê dos Jogos Olímpicos de 2016. Começaram então os estudos para quais seriam as melhores maneiras para realizar o trabalho. Em reunião realizada no ano de 2015 na Câmara Comunitária da Barra, o vice-presidente da associação e biólogo, David Zee, falou da positividade do projeto apresentado, que visava dragar as lagoas, coletando em ecobags para ressecamento, diminuindo quase 80% de seu volume, e depois coloca-las, temporariamente, submersas na terra: “sem duvidas a dragagem é um processo muito importante para a Barra da Tijuca, principalmente para nossa comunidade que fica nos arredores das lagoas. Depois das obras nós vamos ter uma lagoa navegável, menos lixo e principalmente uma entrada maior das águas do mar, propiciando uma renovação e um aumento da biodiversidade, uma vez que os peixes passaram a entrar e sair com mais facilidade”.
O projeto dragaria cerca de 5.000.000m³ do Complexo Lagunar e foi orçado em R$673 milhões, R$402 milhões oriundos de empréstimo do Banco do Brasil e R$271 milhões do Fundo de Conservação Ambiental (Fecam), a tão sonhada despoluição, parecia finalmente que iria acontecer. Porém, uma divergência entre a MPE e MPF/RJ, a obra licitada e contratada acabou sendo embargada. Prontamente, a sociedade civil organizada, através da CCBT, entrou em ação e após muita discussão o projeto pareceu que de fato iria deslanchar. Contudo, por conta do período crítico financeiro vivido pelo Estado Fluminense, que estava com inúmeros salários atrasados, uma determinação de arresto feito pela Justiça do Rio de Janeiro, fez com que todo o dinheiro destinado para a dragagem, fosse para cobrir rombos. Após isso, o assunto parece ter caído no esquecimento do poder público.
Para o biólogo marinho e professor da UFRJ, Sérgio Bonecker, a luta está longe de ser perdida. O educador conta como a sociedade civil organizada pode ajudar a reviver a empreitada pela melhoria lagunar: “existem várias. Pode-se utilizar os veículos de comunicação e órgão de fiscalização ambiental, Federal e Secretarias Estaduais e Municipais. Uma estratégia que já foi utilizada em cidades como Curitiba, Vitória e Santos foi utilizar associações ou organizações estudantis para veicular movimentos como, por exemplo, a "praia limpa". Centros Acadêmicos de cursos com viés ambiental frequentemente realização atividades de extensão como "Bio na Rua" e “Bio na Praia". Podiam promover um evento "Lagoa Limpa", por exemplo”.
O biólogo explica quais as espécies de animais originarias da região poderiam voltar a morar nas lagoas, caso a dragagem fosse feita: “o sistema lagunar de Jacarepaguá é formado por lagoas costeiras (Jacarepaguá, Camorim, Tijuca, Marapendi e Lagoinha) com baixa salinidade ou de águas doces. Esses ambientes são adequados a crustáceos (camarões e siris), moluscos (mariscos) e diversos peixes (parati, corvinas e robalos). Atualmente a presença de peixes-rei e barrigudinhos indicam a baixa qualidade das águas das lagoas”. Já na área da restinga, Bonecker destaca espécies como a lagartixa-de-praia (Liolaemus lutzae), o lagarto-de-cauda-verde (Cnemidophorus ocellifer) e o jacaré-do-papo-amarelo (Caimam latirostris) que também utiliza o ambiente aquático.
Já em relação as dragagens, Bonecker faz ressalvas: “a dragagem é uma metodologia que visa recuperar a condição de profundidade e superfície. Infelizmente esta metodologia pode trazer outros impactos como a redução da transparência, ressuspensão de sedimento contaminado e impacto nos organismos que vivem no fundo que está sendo dragado e na coluna d'água. Atualmente existem técnicas de dragagem por sucção e armazenamento do material dragado em geobags”. Quanto a recuperação total das lagoas, o professor acredita ser possível, porém a longo prazo: “a curto ou médio prazo não. Depende da política pública de longo prazo, priorizando a redução e proibição dos lançamentos de efluentes não tratados, manutenção do volume d'água (superfície/profundidade) do sistema e monitoramento físico, químico e biológico da coluna d'água, sedimento e entorno”.
Para finalizar, Bonecker afirmou que não acredita que a despoluição possa acontecer nos próximos anos pela redução da importância do Ambiente como instrumento de política pública para Saúde e Meio Ambiente e ressalvas os grandes problemas que essa poluição pode trazer ao homem: “isso pode trazer doenças vinculadas a contaminação direta por agentes patogênicos ou seus agentes de transição como hepatite, verminoses, febre tifoide, diarreia, dengue, cólera e muitas outras”.