Lenda do samba dedicou 87 anos de vida a torcer pelo Vasco da Gama

João Gabriel (Folhapress)

Samba, Mangueira e Vasco da Gama. Talvez essas três palavras possam definir quem foi Nelson Sargento, um dos maiores expoentes da música brasileira, falecido nesta quinta-feira (27), após contrair Covid-19, aos 96 anos. Entre as centenas de suas composições está "Casaca, Casaca", que faz referência a um dos mais tradicionais gritos da torcida do clube de seu coração.

"Vasco da Gama, baniu o preconceito / Em nome do direito, dando razão a razão / Formando, atletas de escola, na regata / E no futebol, o seu nome está presente", cantava Sargento, lembrando a luta histórica do clube contra o racismo no futebol.

Em 1924, o Clube de Regatas Vasco da Gama foi impedido de participar do campeonato da então AMEA (a elite do futebol carioca à época) por ter 12 jogadores negros no elenco -os motivos oficiais dados à época eram outros.

"São esses 12 jogadores jovens, quase todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o ato público que os pode macular nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu nem sob o pavilhão que eles, com tanta galhardia, cobriram de glórias", respondeu o clube na ocasião, dizendo que, por isso, desistiria da competição.

Um ano depois, o Vasco conseguiu ser aceito dentro da elite com seus jogadores negros. Depois, ainda inauguraria o maior estádio do Brasil naquela época, São Januário, em 1927, para se firmar como um dos maiores do Rio de Janeiro.

Em abril deste ano, no aniversário de 97 anos da chamada "resposta histórica" (como o evento ficou conhecido), o clube homenageou Nelson Sargento e Paulinho da Viola com réplicas do uniforme de 1924 e também do documento em defesa dos 12 jogadores.

"Não sei como agradecer tanta amizade, tanto carinho. Estou completamente emocionado. Fico muito contente de receber tal honra, muito obrigado", respondeu o músico.

Em entrevistas, o compositor lembra que se tornou vascaíno em 1934, pouco após a entrada do clube na elite e quando o Vasco vivia anos de glória (foi campeão estadual naquele ano e em 1936). O clube fazia parte do dia a dia do compositor. Recentemente, ao receber as duas doses da vacina contra o coronavírus, deu novas provas de sua paixão.

Na primeira ocasião, vestiu uma camisa verde e rosa da Estação Primeira de Mangueira e se protegeu com uma máscara branca, com o símbolo do clube. Na segunda, em seu apartamento, recebeu a equipe médica uniformizado com a cruz de malta no peito.

Já vacinado, Sargento deu entrada no Insituto Nacional do Câncer (INCA), no Rio de Janeiro, no último dia 20, entrando na UTI dois dias depois. Segundo comunicado, "com quadro de desidratação, anorexia e significativa queda do estado geral. Ao chegar na unidade, foi realizado o teste de covid-19, que apontou positivo."

"Apesar de todos os esforços terapêuticos utilizados, o óbito ocorreu às 10h45, dessa sexta-feira (27). Nelson Mattos era paciente do INCA desde 2005 quando foi diagnosticado e tratado câncer de próstata", completa a nota da entidade.

Sargento já foi presença constante nas arquibancadas não só de São Januário, mas, como gostava de se lembrar, também de "todos os campos do Rio" na torcida visitante, como contra o Madureira, o Bonsucesso, o Olaria. Tinha como ídolos Roberto Dinamite e Ademir de Menezes.

Sargento tornou-se vascaíno durante um período glorioso do time, mas não abandonou seu amor pelo clube nem durante os rebaixamentos para a Série B do Campeonato Brasileiro.
Quando completou 90 anos, em 2014, era lá que o Vasco se encontrava. O sambista pediu, em entrevista ao Lance: "Tem que sair daquela divisão".

Em 2021, o Vasco disputará novamente a Série B do Brasileiro, agora sem um de seus maiores torcedores. Mas Sargento deixa para a torcida cruz-maltina e para o Brasil o seu samba, que como ele bem sabia, agoniza, mas não morre. "Casaca, casaca, casaca / Vasco da Gama mora no meu coração", finaliza Sargento no refrão do samba.