Antes, durante e depois. Entenda a história do metrô na Barra
Por: Guilherme Cosenza
A chegada das Olimpíadas 2016 no Rio de Janeiro trouxe um novo perfil para o estado. Diversos bairros foram modificados para a realização do maior evento esportivo do mundo, porém, nenhum deles foi tão afetado quanto a Barra da Tijuca. Atualmente, um dos grandes problemas que vem ganhando destaque nos noticiários e dos jornais do país é a falta de continuidade nos cuidados do legado olímpico. Porém, um desses legados vem dando muito certo e sendo extremamente utilizado pela população, o metrô Linha 4.
Contudo, a mais nova linha do metrô que é utilizado por mais de 200 mil pessoas por dia, é uma luta bem antiga dos moradores da Barra. Tudo começou em 1994 quando visando os problemas de trânsito que começaram a surgir em peso no bairro, o que passou a incomodar muito o ir e vir da população, além da dificuldade de chegar aqui, os moradores da região começaram a se movimentar em busca de uma melhoria para o problema. Na época, uma reunião entre a população local, através da Câmara Comunitária da Barra da Tijuca, fez surgir o projeto Barra Metrô 2000.
A criação do projeto visava trazer o modal para dentro do bairro para poder sanar um problema crescente e ajudar no desenvolvimento da Barra, que já começava a desenhar o crescimento que temos hoje, com inúmeras empresas e condomínios de alto padrão se instalando aqui. Para a missão de criar o projeto, o escolhido foi um dos diretores, na época, do CCBT, Alvaro Santos. Aliás, o diretor já havia sido presidente do metrô, o que facilitou o pleito da câmara. Assim, a população se engajou no trabalho de trazer o metrô para a Barra. A mídia também se fez presente cobrindo inúmeras manifestações dos moradores pela causa.
Quatro anos mais tarde, com o diretor de volta a presidência do metrô, no governo de Marcello Alencar, conseguiu-se um grande passo na luta, o primeiro leilão da concessão da Linha 4. Porém, inicialmente a ligação seria da estação Botafogo até o Jardim Oceânico. Na época, Consórcio Rio Barra, foi o grande vencedor. A concessão ficou definida com 55% da obra como responsabilidade do consórcio vencedor e os 45% restante seria de responsabilidade do Estado. Com um prazo de concessão de 20 anos, podendo ser estendido por mais 25 anos.
Porém, um imbróglio acabou atrasando o processo, quando o então governador Anthony Garotinho contestou a mudança do trajeto, previsto no edital, que mudava a ligação de Botafogo para a Estação Carioca, no centro da cidade. Com isso, o governador tentou a impugnação de todo o processo. Felizmente o projeto não precisou ser parado. Por outro lado, a tentativa de Garotinho, somada a falta de recursos do governo e as dificuldades das licenças ambientais, fez com que a obra demorasse muito mais do que o previsto para acontecer.
Dessa maneira, as obras só deram início no governo de Sérgio Cabral, 22 anos depois. Aliás, a obra só acabou sendo possível após o anúncio de que as Olimpíadas de 2016 seriam realizadas no Rio de Janeiro. Por conta disso, foi injetando cerca de R$ 38,2 bilhões para obras de infra-estrutura para os jogos. Desse dinheiro, cerca de R$114 milhões possibilitaram a compra do equipamento e manutenção para a criação das seis estações da Linha 4, além da extensão da Linha 1 do metrô.
“Passamos anos e mais anos nessa luta. Inicialmente o projeto seria feito em 1998, porém foi embargado, o que nos levou a mais anos de luta até conseguirmos trazer o metrô para Barra, ainda não é o ideal que queremos, mas já demos um passo grande. Graças à união que temos aqui no nosso bairro”, contou o presidente da CCBT, Delair Dumbrosck em uma das inúmeras reuniões realizadas na Câmara sobre a chegada do metrô.
Para se ter ideia da grandiosidade da linha que interliga a zona sul da cidade a Barra, o tamanho dela é o equivalente ao tamanho da Linha 1: "construímos em menos de sete anos, 16 km de trilhos. Esse tamanho é o equivalente a tudo que o metrô já fez ao longo de 43 anos. Para se ter uma ideia, a Linha 1, finalizada, tem mais ou menos 17 km”, explicou Carlos Osório, o Secretário de Transporte do Governo em 2016.
Desde então, o metrô na Barra, além de transportar mais 200 mil pessoas por dia, consegue tirar mais de 2 mil veículos por hora nos momentos de maior fluxo do bairro. Além de diminuir, e muito o tempo de transporte até o centro da cidade. O trajeto que antes levava de 1h 30min a 2h, passou a ser feito em apenas 35 minutos. Para quem precisa chegar em Ipanema, esse número baixou para 15 minutos.
Outro fator extremamente importante é a possibilidade de um transporte com mais conforto, afinal, enquanto em um ônibus convencional tem uma capacidade máxima de até 70 pessoas, que é facilmente passada em horários de pico, o metrô pode carregar até 300 pessoas por viagem. Possibilitando um maior conforto para os passageiros no ir e vir do trabalho, além do fator tempo, que mesmo com o modal lotado, o passageiro passa bem menos tempo de viagem.
A ligação da Linha 4 com o BRT é outro fator que passou a facilitar bastante o ir e vir no bairro, afinal, a estação do Jardim Oceânico do BRT é interligada com a estação do metrô, tendo um acesso exclusivo para quem vem do BRT, ou precisa pegar o modal para continuar seu trajeto no bairro.
O que é o Tatuzão?
O Tunnel Boring Machine foi o aparelho responsável por abrir os caminhos para a criação da Linha 4 do metrô. O aparelho veio diretamente da Alemanha e precisou ser desmontado e trazido em partes separadas para o Brasil. Para se ter uma ideia da dimensão, o Tatuzão, como ficou conhecido no Rio, possui uma extensão de 120 metros de comprimento e pode escavar de 10 a 14 metros por dia.
Porém, para poder ter um o governo do Rio precisou fazer o pedido dois anos antes, já que cada TBM é feito de acordo com as necessidades e solo de cada local. Normalmente ele é composto por alguns elementos principais. A couraça é a parte da frente onde está localizada a cabeça de corte, com discos e lâminas responsáveis pela escavação do túnel. Atrás ficam a cabine de comando e uma esteira para a remoção da terra, que acompanha o Tatuzão em todo o processo de construção. Existe também o sistema de backup que acomoda itens como bombas, quadros elétricos e sistemas de ventilação.
Aqui no Brasil a técnica utilizada foi a Breakthrough Submerso, feito para equilibrar a pressão do terreno. Para utilizar essa medida, usada recentemente também na construção do metrô de países como Alemanha, China, Itália, Argentina e Estados Unidos, uma parte da estação é preenchida com água para receber a tuneladora. Assim, após chegar submerso à estação, ele finaliza a construção e vedação do túnel no trecho e em seguida, a estação começará a ser esvaziada para que o Tatuzão possa ser arrastado pelo corpo da estação.
Por conta do trabalho usado, a equipe da Linha 4 foi finalista do prêmio ITA Tunnelling Awards 2016, o mais importante prêmio de túneis do mundo, por desenvolver um EPB híbrido, que funcionava em solo arenoso, em uma região densamente edificada e com grande circulação de pessoas e veículos.
Menos custo aos condomínios
Outro fator de suma importância foi à possibilidade de melhorar a economia dentro dos condomínios da região. É comum que os residenciais e alguns condomínios comerciais da Barra e Recreio possuam seus próprios ônibus. Todos eles terceirizados por empresas particulares, sendo assim, gerando um valor alto a ser pago. Esse valor é pago pela taxa associativa, condominial ou separadamente dos empreendimentos imobiliários.
Contudo essa cobrança é feita em cima do número de apartamentos, de modais e, principalmente a distância que eles percorrem. Quanto mais longe forem os ônibus, mais caro ficará o seu valor. Porém, sempre foi através deles que à grande maioria dos moradores acabam circulam pela cidade. Uma vez que muitos deles têm seus empregos no centro, zona sul ou em outras partes da cidade. Por conta disso, a opção de utilizar o transporte condominial sempre foi á primeira opção, pois além do conforto de poder pegar o ônibus dentro do condomínio, sem superlotação, esses modais particulares trazem maior segurança e pontualidade.
Porém, com a chegada da Linha 4, reduzindo o tempo da Barra para os demais pontos da cidade, trouxe a possibilidade de diminuir esses ônibus ou até mesmo diminuir as distâncias por eles percorrido. Afinal, a agilidade para chegar até o trabalho ficou muito maior com o metrô. Dessa maneira, muitos condomínios acabaram realizando diversas AGEs (Assembléia Geral Extraordinária) com o tema "Transporte" para debater a possibilidade de uma diminuição de ônibus e de itinerários. Esse fato conseguiu fazer com que muitos condomínios pudessem diminuir o valor de suas cotas ou puderam reverter os valores economizados para melhorias para dentro do próprio condomínio.
Outro ponto que o metrô ajudou, indiretamente, as associações de moradores e condomínios foi na relação interpessoal de seus associados. Muitos desses condomínios não possuem ônibus que circulem fora da Barra da Tijuca e Recreio, o que criava um desconforto entre moradores que queriam que os veículos fossem para outros pontos da cidade, fato que era normalmente debatido nas AGOs (Assembléia Geral Ordinária).
Porém, como o coro dos que queriam a ligação do ônibus para os demais pontos da cidade era sempre menor, pois boa parte dos moradores trabalham na região. Outro ponto que ganhava destaque negativo para o aumento do itinerário dos veículos era a necessidade de um pagamento muito maior das taxas associativas. Por conta disso esse aumento de itinerário era rapidamente descartado. Mas com o metrô, essa necessidade de acessar as demais áreas da cidade com conforto foi resolvida. Bastando ter apenas ônibus que chegassem até o metrô para que o usuário desembarcasse ali e pegasse o modal para o seu destino. O fato agradou as duas partes e cessou uma das maiores brigas dentro de grande parte dos condomínios da Barra.
Dessa forma, como a região possui um número extenso de condomínios que utilizam de ônibus particular para o deslocamento de seus moradores, foi criado um ponto especial para esses ônibus, bem ao lado da estação de metrô, em frente ao antigo Restaurante Porcão. Condomínios como Rio2, Cidade Jardim, Península, Pontal Oceânico, Nova Ipanema, entre outros estão na lista dos residenciais que utilizam o ponto, que após, pedidos das associações, ganhou acentos e uma cobertura para os dias chuvosos.
Preferência entre os usuários
Um fato importante para se destacar da chegada do metrô a Barra é a preferência que os usuários têm dado para usar o metrô. Para se ter uma ideia, muitas vezes, mesmo com o tempo de viagem podendo ser maior, muitas pessoas acabam prezando em pegar o metrô pelo conforto e a segurança que o modal pode dar e que não é encontrada nos ônibus da cidade.
Esse é o caso do engenheiro, Ricardo Meliande. Morador da zona norte, após a chegada da Linha 4 a Barra, Ricardo deixou o modal que pegava para ser um usuário diário do metrô. Mesmo podendo optar por uma linha de ônibus que conseguiria fazer o trajeto mais rápido até o trabalho: “fui assaltado na linha de ônibus que pegava, depois disso nunca mais peguei o ônibus. O metrô é mais confortável que o ônibus que tem bancos muito ruins. Por isso, mesmo demorando mais tempo de metrô e BRT, eu prefiro por conta da segurança que posso ter”.
A chegada do metrô também fez com que muitas pessoas que utilizavam seus carros para poder se locomover pudessem optar pelo transporte público. Esse fato gerou uma economia no bolso do contribuinte, pois ele parou de gastar com os custos necessários para se manter um carro, como combustível, manutenção e valores de estacionamento, um dos grandes problemas da atualidade. Para quem sempre optou por andar de táxi ou aplicativos, o metrô acabou sendo uma boa idéia, por ser mais rápido e muito mais barato.
O metrô também fez toda a diferença para que o publicitário Daniel Silveira conseguisse de fato se mudar para o bairro de Barra Bonita, no Recreio. Daniel era morador da Tijuca, porém trabalha no centro da cidade. A possibilidade de ter o metrô na região para facilitar a ida até o trabalho fez toda a diferença para que pudesse de fato vir morar no Recreio: “para mim foi um fator que ajudou muito a ter total tranquilidade na decisão de mudar para o Recreio. Para a Mariana, minha esposa, foi fator decisivo, ainda mais pelo Metro estar conectado ao BRT, que por sua vez tem uma linha expressa que para na ‘porta de casa’.
Daniel salientou que sua ida e vinda do trabalho com sua esposa, gasta um total de 1h de ida e 1h de volta. Porém, além do trabalho, o casal também utiliza, de vez em quando o metrô para outros fins: “quando precisamos fazer algo na Zona Sul ou Centro, damos preferência ao metrô. Mas esses casos são raros. Quando saímos do Recreio geralmente é para ir na Tijuca, então optamos pelo carro”.
Mexendo na economia da cidade
Além da melhoria do ir e vir, a Linha 4 do metrô mexeu também na parte econômica da região, gerindo empregos e movimentando o comércio. Segundo MetrôRio, apenas nas estações da Linha 4 trabalham cerca de “165 funcionários, dividido entre agentes de segurança, atendimento, operadores de estação e profissionais de limpeza, sendo que o número de colaboradores, na Linha 4 e em cada estação, pode sofrer reforço, conforme necessidade e de acordo com demandas pontuais”.
Aliado a isso, temos outro aumento, a do comercio local. Apenas na estação do Jardim Oceânico temos um total de doze pontos de comércio, entre quiosques e máquina de venda, oferecendo grande variedade de produtos e serviços aos clientes que usam a estação diariamente.
Expansão do metrô até o Recreio e Jacarepaguá
Embora seja uma grande evolução para o transporte da Barra da Tijuca, o fato de ter sido feito até a estação do Jardim Oceânico trouxe alguns questionamentos da população, que sonhava em ver o metrô chegar até o Terminal Alvorada e futuramente poder aproveitar o metrô até o Recreio e Jacarepaguá. Contudo, esse planejamento faz parte do Plano Diretor Metroviário (PDM) criado pelo governo do estadual que visa o planejamento do metrô até 2045.
Porém, como dito no ano passado pelo então Diretor de Projetos Especiais da Secretaria de Transporte do Estado e atual Secretário Municipal de Envelhecimento Saudável, Felipe Michel, a expansão das linhas dentro da Barra é um fato que entrou nas demandas do estado, porém a falta de recursos atual dificulta a expansão: “nós percebemos essa necessidade, uma vez que o BRT não é o suficiente para transportar tantos passageiros. Temos cerca de 600m escavados, justamente preparados para chegar até a Alvorada, mas hoje a realidade do Governo do Estado é de uma situação financeira delicada, com isso precisamos do apoio do Governo Federal e Municipal, porque o Estado sozinho, não consegue, hoje, chegar até a Alvorada e o Recreio, então estamos debatendo isso, pois precisamos dessa expansão”.
Um projeto criado pelo prefeito Marcelo Crivella em 2017 com o governador Pezão tentou viabilizar essa expansão até o Recreio. No planejamento seriam feitas 24 estações pela Avenida das Américas com um total de 20km. A idéia foi altamente criticada pela população, uma vez que o estado estava no auge da crise e o governo já começava a gastar cerca de R$34 milhões com equipamentos parados na estação da Gávea, que até hoje segue parada e gerando diversas polêmicas, controvérsias e muitos gastos para manter a estação, mesmo inacabada.
Contudo, no ano passado um projeto de lei de autoria dos deputados André Ceciliano (PT), Luiz Martins (PDT) e da ex-deputada Rosangela Gomes, a lei 8074/18 autoriza o Estado do Rio de Janeiro a realizar um estudo de viabilidade técnica para a expansão do metrô. Dentro do estudo, ocorreria a ligação entre a Estação Jardim Oceânico e o terminal da Alvorada, que já possibilita mais um passo em prol da expansão do modal. O projeto permite que o Executivo utilize os recursos de empréstimos destinados ao setor de transporte para essa expansão. Contudo até o momento, nada de concreto se foi dito sobre a expansão do metrô Linha 4.
Procurado pela nossa equipe, a assessoria do MetrôRio afirmou que não possui informação sobre o caso: “O processo de expansão da malha metroviária da linha 4, assim como obras, construções e ampliação do sistema, não são de responsabilidade do MetrôRio, e sim do Governo do Estado. A concessionária é responsável pela operação do serviço”.