A dimensão das medidas desagradou ao governo e gerou atrito entre os Poderes
Por Bernardo Caram/ Folhapress
A análise pelo Congresso Nacional das primeiras medidas do pacote emergencial contra o coronavírus indica que o governo terá dificuldade para evitar uma explosão de gastos. Como consequência, deverá haver agravamento da deterioração das contas públicas.
A equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) reconhece a necessidade de ampliar despesas neste momento. Porém, congressistas aprovaram projetos com alta dos custos das medidas de socorro.
A dimensão das medidas desagradou ao governo e gerou atrito entre os Poderes.
Em duas propostas analisadas, o gasto extra proposto pelos congressistas em relação ao plano original do Ministério da Economia será de pelo menos R$ 98 bilhões, em cenário conservador.
Em avaliação mais pessimista da pasta, o custo adicional pode superar R$ 200 bilhões.
Após resistir inicialmente, a equipe econômica decidiu abandonar o ajuste fiscal planejado para este ano e ampliar gastos públicos.
A estratégia foi adotada para enfrentar os efeitos da pandemia na saúde e na economia. A mudança, no entanto, veio de forma cautelosa.
As medidas emergenciais foram anunciadas em etapas, semana a semana, focadas em públicos específicos, com preferência por propostas com impacto fiscal moderado.
Após a apresentação das medidas pelo governo, o Congresso passou a analisar as propostas. No entanto, há entraves nas negociações.
Em março, o governo anunciou que criaria um auxílio emergencial de R$ 200 para informais. Antes da formalização da proposta, o Legislativo tomou frente da discussão.
O benefício foi incluído em uma proposta em tramitação. O valor foi ampliado para R$ 600, após o governo ceder.
O impacto da medida, inicialmente calculado em R$ 15 bilhões, saltou a R$ 98 bilhões.
O número considera a expectativa inicial de 54 milhões de beneficiados. O custo final deve ser maior porque o governo agora estima que o pagamento chegará a 70 milhões.
Após a entrada em vigor da medida, o Congresso ainda aprovou um novo projeto para ampliar o benefício a mais categorias e eliminar um dos requisitos de renda.
O texto foi alterado na Câmara e depende de nova análise do Senado. A mudança deverá ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro e beneficiar mais 7,5 milhões. O custo adicional será de R$ 10 bilhões.
Em outro conjunto de medidas, o pacote de socorro a estados e municípios colocou Executivo e Legislativo em confronto.
O governo chegou a apresentar uma proposta inicial de R$ 88,2 bilhões. As medidas incluíam repasses diretos, renegociação e suspensão de dívidas e facilitação de crédito.
O pacote, que exigia contrapartidas de ajuste fiscal, foi mal recebido por governadores e congressistas, que articularam proposta alternativa.
O texto aprovado na Câmara prevê compensação variável por parte da União para perdas de arrecadação ICMS (imposto estadual) e ISS (municipal).
Pelas contas do governo, o impacto da medida será de R$ 93 bilhões em caso de recuo de 30% dessas receitas. A avaliação de técnicos da pasta, porém, é que o potencial de perdas neste ano é maior.
A compensação da União subiria então em R$ 28 bilhões para cada 10% a mais de desfalque nas contas regionais.
Segundo o ministério, o custo total ficará em R$ 149 bilhões em caso de perdas de 50% na arrecadação. Se o patamar for de 70%, o impacto será de R$ 205 bilhões. Se a perda hipotética for de 100%, o custo subirá para R$ 289 bilhões.
Na tentativa de barrar a proposta, o governo apresentou um novo pacote, mais enxuto e sem valor variável de repasses. O impacto, incluindo medidas já adotadas, é de R$ 127,3 bilhões.
Para a concessão de crédito emergencial a microempresas, que ainda não foram atendidas no pacote, o Ministério da Economia negociou a aprovação de um projeto no Senado. A articulação acabou dando errado.
A proposta do governo era liberar crédito a juro de 3,75% ao ano para empresas com faturamento anual entre R$ 81 mil e R$ 360 mil. O Tesouro liberaria R$ 10,9 bilhões para dar garantia a 80% do valor desses financiamentos.
O Senado acabou ampliando o escopo do programa e o limite das concessões. Com isso, o texto expandiu o potencial de liberação de crédito para R$ 400 bilhões, diz a pasta.
O governo avalia tentar uma reversão da medida na Câmara ou editar uma MP (medida provisória) com as regras.
A equipe econômica ainda monitora outros projetos que podem sofrer alterações. Entre eles, está a MP que autoriza a redução de jornadas e salários de trabalhadores.
Deputados e senadores já propuseram quase mil emendas ao texto e podem ampliar os benefícios –e os custos ao Tesouro. O governo fará contrapartida financeira.
"Essa conta vai ter de ser paga no futuro. A gente está expandindo o nosso endividamento, seja para a nossa geração pagar, seja para as gerações futuras. Então, é preciso muita cautela", disse o subsecretário de Planejamento Estratégico da Política Fiscal do Tesouro, Pedro Jucá, que disse que o governo disponibilizou ferramenta para a população acompanhar diariamente os recursos públicos liberados e pagos no combate à pandemia.
Até agora, o pacote soma um impacto primário de R$ 308 bilhões. Técnicos da área econômica já afirmam que o rombo fiscal deste ano pode superar R$ 600 bilhões.
De acordo com o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, a conta poderá vir no futuro por aumento da dívida pública, alta de impostos, elevação das taxas de juros ou inflação.
Camargo defende a ampliação das despesas durante a emergência e afirma que o respeito às regras fiscais a partir de 2021 é fundamental para reduzir esses efeitos.
"Se as coisas forem na direção da irresponsabilidade fiscal, isso fica insustentável."
Na avaliação do consultor econômico Raul Velloso, especialista em finanças públicas, o governo precisa entender que a situação de emergência exige ampliação de gastos.
"Isso deve ser feito no período de duração da guerra. Ela vai nos deixar de herança uma dívida imensa e nós vamos encontrar um jeito de administrar", afirmou.
Em nota, o Ministério da Economia afirmou que a crise levará a uma inevitável queda do PIB e da arrecadação.
"A dívida pública tornar-se-á uma nova armadilha ao crescimento sustentável. [...] Passada a crise, as reformas que visam ao aumento da produtividade e ao equilíbrio fiscal se tornarão ainda mais necessárias", disse.