O termo de posse foi assinado em uma cerimônia reservada no gabinete de Bolsonaro, cerca de 20 minutos após a publicação.
Por Daniel Carvalho e Talita Fernandes/ Folhapress
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nomeou Rolando Alexandre de Souza para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal. A escolha foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União desta segunda-feira (4).
O termo de posse foi assinado em uma cerimônia reservada no gabinete de Bolsonaro, cerca de 20 minutos após a publicação.
Neste domingo (3), nos protestos contra o STF (Supremo Tribunal Federal) e o Congresso, Bolsonaro avisou que nomearia o novo diretor.
A escolha de Rolando ocorre após o ministro Alexandre de Moraes (STF) ter barrado o nome de Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro, para o comando da PF.O novo diretor-geral do órgão foi indicado a Bolsonaro pelo próprio Ramagem. Rolando é atualmente secretário de Planejamento da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), comandada por Ramagem.
A escolha é vista internamente como uma medida temporária. O presidente ainda tem esperança de encontrar uma saída para nomear o amigo de sua família para o cargo máximo da PF.
De acordo com auxiliares do presidente ouvidos pela Folha de S.Paulo, Bolsonaro foi aconselhado a ter pressa para escolher um novo nome para o órgão após a decisão de Moraes.
A liminar do ministro do STF contra Ramagem se baseou, principalmente, nas afirmações de Bolsonaro de que pretendia usar a PF, um órgão de investigação, como produtor de informações para suas tomadas de decisão.
O comando da PF foi o estopim para a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça. Bolsonaro demitiu Maurício Valeixo, escolhido por Moro, da diretoria-geral da PF. Moro deixou o cargo acusando Bolsonaro de querer interferir na atuação da polícia.
O ministro do STF concedeu liminar (decisão provisória) a uma ação protocolada pelo oposicionista PDT, que alegou "abuso de poder por desvio de finalidade" com a nomeação do delegado para a PF.
Moraes destacou que sua decisão era cabível pois a PF não é um "órgão de inteligência da Presidência da República", mas sim "polícia judiciária da União, inclusive em diversas investigações sigilosas".
Bolsonaro reagiu e chamou de "política" e de "canetada" a decisão do ministro. "Eu respeito a Constituição e tudo tem um limite." "Se [Ramagem] não pode estar na Polícia Federal, não pode estar na Abin [Agência Brasileira de Inteligência]. No meu entender, uma decisão política", declarou.
No domingo, presidente mandou um recado ao STF: "Peço a Deus que não tenhamos problemas essa semana,. Chegamos no limite, não tem mais conversa, daqui pra frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição, ela será cumprida a qualquer preço, e ela tem dupla mão".
Para a maioria dos especialistas ouvidos pela Folha, foi correta a decisão de Moraes pela suspensão do ato. De acordo com eles, o poder de nomeação do presidente não é absoluto e deve respeitar as regras previstas pela Constituição, como impessoalidade, moralidade e legalidade.
Não é a primeira vez que o Judiciário suspende nomeação discricionária da Presidência da República. Isso já ocorreu na ocasião da nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como ministro da Casa Civil pela então presidente Dilma Rousseff (PT) e também de Cristiane Brasil (PTB) como ministra do Trabalho durante a gestão de Michel Temer (MDB).
"O que o Supremo faz não é governar em lugar do presidente, é evitar o desgoverno. O Supremo está estreitando o leque de escolhas do presidente, não eliminando", afirmou Gustavo Binenbojm, professor de direito administrativo da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Binenbojm afirma que "existe uma tendência mundial de estreitamento do mérito administrativo e restrição aos poderes presidenciais e das autoridades públicas quando ultrapassam as regras constitucionais".
Na decisão, Moraes argumenta que houve abuso de poder na nomeação de Ramagem, visto que a lei prevê que são nulos os atos praticados por agentes públicos com finalidade diferente do que a prevista em lei.
Para o professor de direito público da FGV Carlos Ari Sundfeld, "a decisão é técnica, dificilmente poderia contar com indícios tão fortes como a confissão do presidente, isso fez o STF decidir corretamente por suspender a nomeação".
Segundo Sundfeld, o desvio de finalidade estaria em "não colocar alguém para cumprir as normas, mas alguém para ajudar o presidente a fazer interferências que a lei veda".
Há quem afirme, no entanto, que seria preciso haver provas mais contundentes para que a nomeação fosse anulada neste momento.
O professor de direito constitucional da USP Elival da Silva Ramos vê ativismo judicial na decisão e afirma que ela cria um precedente ruim.
Para ele ainda não há provas suficientes de que a nomeação de Ramagem seria abuso de poder, mas apenas indícios. Segundo ele, apesar de a liminar (decisão provisória) poder ser concedida sem provas cabais, Ramos defende que, por se tratar da suspensão de um ato discricionário, seria preciso haver provas mais maduras.
"Vamos supor que ele troque toda uma equipe, aí sim, seria algo escandaloso, mas no momento ele trocou o chefe. O quadro atual não comportava uma liminar."
Leis que embasaram a suspensão da nomeação
Lei sobre Ação Popular (lei 4.717/1965)
Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União (...)
Artigo 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de (...) desvio de finalidade. "O desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência"
Constituição Federal
Artigo 37 "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência".