A Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro disse que, até domingo (7), o estado tinha registrado 67.756 casos confirmados e 6.707 óbitos por coronavírus
Nas últimas semanas, a médica Laís tem vivido plantões menos tensos. Os pacientes que antes lotavam a UTI precisando ser intubados, fazer hemodiálise, receber medicamentos e cuidados contínuos agora já não são mais tão frequentes.
Ela trabalha no Copa D'Or, um dos principais hospitais privados do Rio de Janeiro, que já voltou a usar duas alas com aproximadamente 20 leitos, antes reservadas para os casos do novo coronavírus, para tratar pacientes com outras doenças.
"Passamos de mais de cem pacientes por dia pra uns 15 ou 20", diz o médico Lucas, da clínica da família da Rocinha.
"Cheguei a fazer plantões de 24 horas com oito óbitos. Hoje em dia tem um ou nenhum óbito", conta Júlio, de uma UPA em Duque de Caxias, na região metropolitana. Os nomes dos profissionais foram trocados a pedido, para evitar retaliações.
Depois de terem visto o sistema de saúde colapsar, profissionais de saúde tanto da rede particular quanto da rede pública da capital fluminense começaram a observar os espaços de triagem se esvaziarem e os atendimentos se reduzirem há cerca de duas semanas.
O cenário de unidades de pronto atendimento (UPAs) com pacientes sem ter onde deitar e respiradores improvisados e a necessidade de transferir os doentes para outro município também já não é mais a regra.
Na rede privada, a redução de leitos para Covid por falta de demanda tem sido frequente. "Recebemos a notícia de que a maioria dos hospitais já transformou parte dos leitos em leitos comuns", afirma Graccho Alvim, diretor da Aherj, principal associação de hospitais do estado.
Um dos motivos para o alívio é a abertura de quatro hospitais de campanha na capital até o início de maio –outros seis previstos para o resto do estado estão atrasados há mais de um mês. O outro motivo é, de fato, uma diminuição dos novos casos de coronavírus na cidade.
Um relatório técnico da prefeitura que embasa a decisão de Marcelo Crivella (Republicanos) de iniciar, na terça (2), a reabertura de algumas atividades mostra uma tendência de queda no acumulado de casos e mortes pela Covid-19 por semana ao longo do mês de maio, considerando a data do início dos sintomas.
A fila de espera por transferências para leitos, que chegou a mais de 800 pessoas no município, também zerou nos últimos dias, e a média de atendimentos diários em unidades de emergência, que atingiu 932 na penúltima semana de abril, caiu para 496 na segunda semana de maio, dado mais recente.
Isso não quer dizer, porém, que o Rio está em uma situação confortável. A ocupação de leitos públicos de UTI para a Covid na cidade e no estado tem variado entre 80% e 90%, e a maioria dos hospitais de referência está cheia, com rotatividade apenas quando há alta ou óbito.
Na rede privada, a Aherj também estimou um índice de 80% e 82% nas 110 unidades associadas -na semana retrasada, eram 85%.
A Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro informou que, até domingo (7), o estado tinha registrado 67.756 casos confirmados e 6.707 óbitos por Covid-19.
As altas taxas de ocupação, junto à decisão de retomar a economia em algumas cidades, têm criado um clima de tensão e medo entre os profissionais de saúde, que atribuem o recente recuo da doença ao isolamento social.
"As pessoas estão querendo transformar a redução em 'já passou'. Não passou. A epidemia não desapareceu, a taxa de contágio continua importante. Qualquer deslize pode ocupar 100% dos leitos", diz Graccho, diretor da Aherj, lembrando que algumas regiões ainda são críticas.
"Os hospitais privados da Baixada Fluminense ainda estão muito cheios. São Gonçalo, por exemplo, está numa posição extrema. Se o contágio aumentar demais, obviamente vai encher a vizinha Niterói, que está só com 70% de ocupação."
Alexandre Telles, presidente do sindicato de médicos (Sinmed-RJ), concorda: "A fila pode ter diminuído, mas os hospitais ainda estão lotados. Dá alta, entra outro. É uma temeridade reabrir nesse momento com a alta ocupação que temos", afirma ele, que trabalha no hospital de referência municipal do Rio, Ronaldo Gazolla.
Além do coronavírus, agora a cidade começa a lidar com uma onda de pacientes com outras doenças que, sem atendimento, desenvolveram complicações. Esse é um dos argumentos para o início da reabertura citados por Crivella -que na terça surpreendeu seu comitê científico incluindo camelôs na liberação.
O médico Júlio, por exemplo, conta que recentemente tem recebido muitos pacientes hipertensos e diabéticos descompensados e bebês desidratados na clínica da família de Ramos (zona norte). As visitas domiciliares ainda estão suspensas e muitos ainda têm medo de ir às clínicas, deixando de renovar receitas médicas e de usar medicações.
Segundo Raphael Câmara, conselheiro do Cremerj (conselho regional de medicina) e integrante do comitê científico do município, a própria prefeitura sabe que não há garantia de que a retomada das atividades não vá inundar o sistema de saúde novamente.
"Está muito claro que não tem garantia de nada. Segundo a prefeitura isso vai ser acompanhado dia a dia e, se tiver que voltar a essa quarentena meia boca que vínhamos fazendo, eles devem voltar", diz.