A agência solicita ao governo 166 novos servidores e um orçamento extra de R$ 7 milhões a R$ 10 milhões por ano
Responsável pela gestão dos rios federais no Brasil, a ANA (Agência Nacional de Águas) começa a se planejar para assumir também o setor de saneamento, atribuição que lhe é conferida pelo novo marco regulatório que será votado nesta quarta (24) pelo Senado. Para isso, pede ao governo 166 novos servidores e um orçamento extra de R$ 7 milhões a R$ 10 milhões por ano.
A diretora-geral da agência, Christianne Dias, reconhece as restrições orçamentárias do governo federal, mas diz que a estrutura atual não é a necessária para assumir as novas funções, que vão desde propor modelo de funcionamento de agências reguladoras estaduais e municipais a estipular normas para cálculo de tarifas e metas de universalização do acesso a água e esgoto.
"O grande mote do projeto é criar um ambiente em que o investidor se sinta seguro para entrar e trazer o seu dinheiro", disse Dias, em entrevista à reportagem. "Que ele saiba onde está entrando, qual o risco que assume e que as regras não vão ser alteradas de forma arbitrária no meio da concessão."
O governo calcula que a aprovação do projeto pode destravar R$ 600 bilhões em investimentos no país, ajudando na recuperação da economia após a crise gerada pela pandemia do novo coronavírus. O relator do texto no Senado, Tasso Jereissati (PSDB-CE), fala em R$ 700 bilhões.
Alçado ao status de prioridade pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) esta semana, o projeto busca a universalização do saneamento básico no país por meio da atração de capital privado para o setor. Atualmente, 100 milhões de brasileiros não têm acesso a coleta de esgoto e 34 milhões vivem sem água tratada em suas casas.
O texto confere à ANA um papel de supervisão das relações entre as empresas de saneamento e os municípios, que têm a atribuição de regular o serviço. Não obriga a concessão ao setor privado, mas determina que mesmo os contratos com estatais devem ter metas de eficiência e universalização.
"Ninguém está obrigado a privatizar, a mudar o contrato, mas o projeto traz uma novidade que é privilegiar o prestador eficiente", afirma a diretora-geral da agência. "Quando coloca as metas, ele tem que cumprir. Se não cumpre, é excluído", completa.
As metas ou regras contratuais para caducidade dos contratos ainda serão definidas e devem respeitar especificidades regionais, afirma Dias. A ANA vai estabelecer também padrões para o funcionamento das agências reguladoras locais, como tempo de mandato e critérios técnicos para a escolha dos diretores.
Também nesse caso, não há obrigação compulsória de seguir as regras, mas Dias acredita que a possibilidade de atrair investimentos e o apoio do governo federal na gestão do setor serão incentivos para que prefeitos e governadores venham a aderir ao programa.
Ela diz, por exemplo, que estados e municípios que quiserem transferir o serviço à iniciativa privada, por meio de concessão ou PPPs (parcerias público-privadas) terão prioridades na oferta de recursos do governo federal, como apoio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
O banco já iniciou a modelagem de processos de concessão de serviços de água e esgoto em estados como o Rio, Alagoas, Espírito Santo, Amapá e Acre e acredita que o novo marco regulatório vai atrair grande interesse de investidores de baixo risco, como fundos de pensão.
Governo e apoiadores da proposta estão confiantes com a aprovação do projeto nesta quarta, sem mudanças que determinem a volta do texto para a Câmara dos Deputados, onde foi aprovado em dezembro. O texto, no entanto, enfrenta ainda críticas sobre a possibilidade de deixar à margem cidades menos rentáveis, que não atrairiam o interesse de investidores privados.
A diretora-presidente da ANA diz que o projeto cria o conceito de regionalização, que evitaria esse risco ao permitir a concessão de blocos com vários municípios, incluindo mais atrativos com menos rentáveis.
Para iniciar a regulação do setor, a ANA pediu ao governo 26 cargos comissionados, 40 servidores remanejados, principalmente de outras agências, e a realização de um concurso para contratar outros 100. Dias afirma que recebeu sinalização positiva nos dois primeiros casos, mas ainda negocia o concurso.
"Hoje temos uma estrutura bastante engessada, não podemos contratar nem consultoria", diz ela, que conta com um orçamento de R$ 20 milhões para bancar os custos administrativos. "[Com a aprovação do marco] passaremos a fazer regulação de serviços, regulação econômica. É um desafio muito grande."
Se o projeto passar, os primeiros passos serão definir uma agenda regulatória para incluir a nova área de atuação, as prioridades e cronogramas. Até 2022, devem estar definidos os primeiros critérios para a definição de metas e avaliações econômico-financeiras dos chamados "contratos de programa", que envolvem empresas estatais.
Todos terão que ser aditivados com os novos critérios dentro desse prazo. Hoje, diz ela, a maioria não tem previsões de investimentos nem metas claras. Em muitos casos, não há nem contratos formais. "Se a gente conseguir que os contratos sejam formalizados, já é um ganho. Se conseguirmos colocar algumas cláusulas essenciais, de caducidade, de eficiência, é outro ganho."
Embora o projeto preveja universalização dos serviços até 2033, Dias evita adiantar prazos e metas, alegando que serão definidas de acordo com as condições de cada região.
"Estamos conscientes que setor não vai mudar da noite para o dia e nem vamos fazer movimentos bruscos que causem pânico", diz.