Por: Ana Luiza Albuquerque e Bianca Guilherme
Se nos primeiros dias de Carnaval ainda havia dúvidas sobre o que as autoridades do Rio de Janeiro fariam diante dos blocos de rua clandestinos, nesta segunda-feira (28) os foliões já se sentem mais à vontade sabendo que os cortejos estão sendo pouco reprimidos. Os blocos foram proibidos em janeiro pelo prefeito Eduardo Paes (PSD), em meio a um avanço da variante ômicron no país. Desde a noite de sexta-feira (25), porém, diversos cortejos já ocorreram na cidade, especialmente no Centro, inclusive sob a observação de policiais militares e guardas municipais.
O prefeito e o governador Cláudio Castro (PL), candidato à reeleição, não se pronunciaram sobre a realização dos desfiles, a despeito da proibição. Quem tinha receio de ser alvo de repressão já perdeu o medo. Com isso, os blocos vão ganhando mais participantes. É o caso da engenheira Alanna Ornellas, 33, que na tarde desta segunda esteve em um cortejo no centro da cidade.
"No começo tínhamos medo do que poderia acontecer, de a polícia fazer guerra com a gente, de um jeito mais agressivo. Agora vimos que isso não está acontecendo", diz.
Ornellas afirma ter percebido que o controle da Guarda Municipal está mais voltado para os ambulantes, e não para os foliões.
"Eu percebi que a guarda já desistiu, porque o bloco não atrapalha o trânsito, então estão liberando mais. Sem essa fiscalização, incentiva a gente a ir mais para o bloco."
O enfermeiro Douglas Gomes, 31, diz que tinha receio que a Polícia Militar fosse interferir, mas que até aquele momento estava "tudo normal". "Está errado? Está. Mas nos eventos fechados não está tendo controle nenhum. Eu estou mais seguro num lugar aberto do que num fechado", afirma.
Procurada, a secretaria de Ordem Pública disse à reportagem que dez blocos clandestinos foram desmobilizados ao longo do feriado, sendo três no sábado (26), cinco no domingo (27) e dois nesta segunda (28).
Segundo a pasta, os eventos estão sendo monitorados por meio do setor de inteligência, para que não haja transtornos na cidade, e a Guarda Municipal está atuando na desmobilização, "com diálogo e conscientização".
As fiscalizações são realizadas por 1.260 agentes diariamente, de acordo com a secretaria. A pasta não respondeu se houve comunicação entre a prefeitura e o governo estadual, ao qual a Polícia Militar está submetida, para desmobilizar os cortejos. Tampouco esclareceu se a guarda está conseguindo atender a demanda para a fiscalização dos blocos na cidade.
Na tarde desta segunda, a reportagem acompanhou um cortejo que saiu da Praça XV, passando pela rua do Rosário e cortando a avenida Rio Branco, uma das mais movimentadas do Centro.
Uma equipe de poucos guardas municipais chegou ao local para tentar organizar o trânsito. Um deles, irritado, defendeu que os foliões deveriam fazer a festa em uma praça, para não atrapalhar a circulação. Ele disse que já havia encontrado três blocos na região central nesta segunda-feira.
A designer Isa Guedes, 33, diz que criou mais coragem para ocupar as ruas quando viu que esse tipo de reunião estava sendo possível. "Chega uma hora que não tem jeito, tem gente demais e eles não podem simplesmente prender mil pessoas ao mesmo tempo", afirma.
A reportagem conversou com um grupo de amigos que veio do Maranhão para aproveitar o Carnaval no Rio. Inicialmente, o plano era participar das festas privadas, permitidas pelo poder público, mas eles acabaram surpreendidos pela circulação dos blocos de rua.
"Este Carnaval está bem atípico. A gente imaginava que haveria mais fiscalização. Eles veem, mas não fazem nada", afirma a dentista Juliana Soares, 29.
A ilegalidade dos blocos traz problemas como a falta de segurança para os próprios foliões, já que as vias não foram fechadas pela prefeitura. Os participantes acabam se arriscando no meio dos carros, ônibus e até do VLT que circula no centro da cidade. O uso de álcool e drogas também aumenta o risco de acidentes.
Nesta tarde, a reportagem viu uma foliã deitada no meio da avenida Rio Branco, posando para uma foto, enquanto os carros ameaçavam seguir em frente. Uma amiga a convenceu a se levantar e a sair do local.
Sem estrutura de banheiros, esquema especial de limpeza ou cadastramento de ambulantes, os blocos também deixam rastros de lixo e xixi nas ruas da região central. Não há previsão de multa para participantes dos blocos clandestinos, disse ao jornal Folha de S.Paulo na sexta-feira o secretário Brenno Carnevale (Ordem Pública). Porém, se organizadores fossem identificados, afirmou, poderiam sofrer multa administrativa de cerca de R$ 1.000.
Procurada pela reportagem, a Polícia Militar disse que o balanço com o número de blocos desmobilizados só estará disponível ao fim do feriado. A PM não respondeu por qual motivo diversos blocos estão desfilando pelas ruas mesmo sob a observação de policiais. Também não esclareceu qual a ordem do governo estadual para a atuação neste tipo de ocorrência durante o Carnaval.
No dia anterior, a corporação havia afirmado que "segue à disposição dos órgãos municipais para apoiar nas ações de ordenamento em todo o estado". No sábado (26), um desfile teve início em frente ao prédio do 5º Batalhão da Polícia Militar, na praça da Harmonia. Antes da saída, um policial chegou a filmar a movimentação no local, com centenas de foliões fantasiados, mas não houve intervenção.
No domingo (27), um bloco que percorreu o Morro da Conceição também chegou a ter a presença de uma equipe grande com cães e cassetetes, mas sem ocorrências. É comum que os músicos parem de tocar quando a viatura passa e, logo depois, o som volte.
Na manhã desta segunda-feira (28), o prefeito Eduardo Paes publicou no Twitter uma selfie na prefeitura, com a legenda: "Bom dia. Esse ano o Rei Momo só assume em abril. Bora trabalhar!".
Nos comentários, alguns internautas criticaram a publicação e lembraram que os blocos estão ocorrendo. A Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop), responsável por monitorar o Carnaval e pela atuação da Guarda Municipal, também divulgou apenas imagens de patrulhamentos na orla da zona sul da cidade e em pontos turísticos.