Por: Júlia Barbon
Onde moram dois, moram sete. "O pobre se adequa a tudo", diz a manicure Gabriela Silva, 36, que dorme na sala desde que precisou se mudar com o pai, a irmã e dois sobrinhos para a casa que seu namorado dividia apenas com o sogro.
A sua "tremeu toda" quando uma barreira deslizou logo acima, no bairro Alto da Serra, na tarde daquele 15 de fevereiro que marcou a história de Petrópolis (RJ). Não quer mais voltar para lá porque ficou apavorada, mas até agora não encontrou alternativas.
Um mês depois da chuva que deixou ao menos 233 mortos e 4 desaparecidos, os que tiveram seus lares atingidos pela tragédia improvisam, já que em sua maioria continuam sem casa, sem aluguel social e sem perspectivas.
Muitos seguem morando com parentes e amigos dentro ou fora do município, outros voltaram para seus lares em áreas de risco –parte deles ainda sem laudo da Defesa Civil–, e cerca de 700 seguem nos 21 abrigos montados em escolas ou instituições voluntárias.
Os imóveis de baixo custo que já eram escassos na cidade agora são quase inexistentes, e em áreas consideradas seguras custam muito acima do que as famílias devem receber do poder público. Proprietários também temem eventuais falhas no pagamento do benefício.
Gabriela, por exemplo, passou os últimos dias mandando mensagens para mais de dez locadores em busca de uma moradia. "O último me pediu três cauções, aluguel do mês, dois fiadores e o nome limpo. E eu nunca paguei aluguel nem recebi benefício de governo na vida", conta.
O corretor Marco Von Seehausen, que atua no município há 30 anos, afirma que os donos de imóveis em geral estão solidários, mas inseguros. "Essa é a pergunta que mais me fazem: e depois que pararem de pagar, como fica? Ninguém sabe responder", diz.
Ele considera os valores anunciados pelo governador Cláudio Castro (PL) e pelo prefeito Rubens Bomtempo (PSB), de R$ 800 e R$ 200 mensais, respectivamente, irrisórios diante da realidade de Petrópolis –que, segundo ele, pode ser comparada à da zona sul do Rio. "Com R$ 1.000 reais não se aluga nada aqui, vão continuar no morro", assegura.
Poucos conseguiram firmar contratos de aluguel por meio da prefeitura. Foram cerca de 180 famílias até agora, com prioridade aos desabrigados, sendo que quase 3.000 solicitaram o benefício ao governo fluminense até 5 de março. O município fala que está finalizando seu levantamento.
A falta de informações é o que tem deixado os afetados mais apreensivos. "Está um caos", diz Cláudia Renata Ramos, presidente da Comissão das Vítimas das Tragédias da Região Serrana. "As famílias estão bem perdidas, com informações desencontradas", critica.
Em meio a rusgas entre cidade e estado, ainda não ficou claro para os moradores como, quando e por quanto tempo o aluguel social será pago.
Segundo a gestão de Castro, a prefeitura disse à Justiça que faria o repasse no décimo dia útil, mas o município afirma que ficou acertado o pagamento unificado no quinto dia útil. O benefício municipal valerá por um ano e o estadual, por dois anos, podendo ser renovados.
Outra dúvida é de que forma será depositado o dinheiro. Segundo o governo, a legislação estadual determina que seja na conta cadastrada no CadÚnico (registro federal de famílias de baixa renda), porém a cidade vai pagar a sua parte diretamente na conta do proprietário dos imóveis alugados.
"A falta de informação é o que está matando todo mundo", corrobora o vereador Yuri Moura (PSOL), presidente da comissão especial de assistência social e moradia da Câmara Municipal. "Há uma confusão entre os cadastros, e as famílias não têm um ambiente para acompanhar a fila, saber os critérios. Em outras ocasiões foi bem mais organizado."
A prefeitura afirma que "todas as pessoas recebem o suporte para as necessidades essenciais, além de atendimentos em assistência social, saúde e acompanhamento psicológico" e que "as famílias estão sendo orientadas quanto ao aluguel social".
Uma das que vive essa aflição é a ajudante de cozinha Sara Aparecida Luiz, 40. Depois de perder dois filhos, dois sobrinhos, a irmã e a casa na tragédia, ela fez o cadastro em uma das escolas da cidade, onde pediram que ela aguardasse um contato.
Agora estão morando de maneira improvisada em um imóvel que o patrão da sua mãe, empregada doméstica, arrumou. "Aqui também não aceitam o aluguel social, a gente vai ter que ver o que fazer para dar um jeito. Não temos mais psicológico para voltar para abrigo", relata.
Como houve quase 5.000 deslizamentos desde a chuva, os laudos da Defesa Civil estão represados. Diante da altíssima demanda, o órgão interditou áreas inteiras e agora está indo em cada casa ver se continuam em risco. Mais de 1.600 laudos foram concluídos e 3.000 vistorias estão em andamento –o documento não é necessário para pedir o aluguel.
A construção de moradias permanentes também segue como plano distante. O município afirma que auxilia o estado na procura por terrenos e que disponibilizou um no distrito de Corrêas para 300 unidades. Mas os vereadores dizem que ainda não existe nada de sólido e preparam um inventário para pressionar as autoridades.
"Juntou o desespero dessas famílias com as de outras tragédias, porque elas estão vendo que essas estão conseguindo as coisas e elas estão desde 2011 sem conseguir nada", lembra Cláudia Renata, da comissão de vítimas.
Segundo Yuri Moura, outras 400 já recebiam aluguel social e aguardavam moradias antes do desastre.
Um mês depois, muitos continuam vivendo das doações, que agora estão minguando. O galpão da prefeitura tem recebido 15% do que recebia nos primeiros dez dias, mas guarda estoque suficiente de comida, água e materiais de limpeza e higiene, buscando por móveis e eletrodomésticos.
ONGs como a Ação da Cidadania também registram uma forte baixa e acumulam mantimentos e dinheiro para os próximos meses, quando sabem que a situação econômica ficará pior. A Viva Rio atribui a diminuição às atenções voltadas à guerra na Ucrânia e ao Carnaval e espera um aumento na ajuda de empresas, que costuma demorar mais.
Já os comerciantes tentam recomeçar. Segundo Marcelo Fiorini, presidente do Sicomércio (Sindicato do Comércio Varejista) de Petrópolis, cerca de 80% das lojas afetadas já haviam reaberto até a semana passada, mas ainda sofrem com o movimento fraco.
Cadastradas, elas esperam agora pelas linhas de crédito anunciadas pelo governador e pela flexibilização das dívidas contraídas anteriormente, na pandemia. Serão até R$ 5.000 concedidos para autônomos, informais e microempreendedores e até R$ 500 mil para micro, pequenas e médias empresas.
"Era para ser algo de urgência, e não para demorar dois, três meses", reclama Addison Meneses, presidente do Sindicato das Indústrias de Confecção da cidade. "Agora a gente ainda está vivendo... Não vou falar o caos, mas as consequências do caos", diz ele.