Entenda a origem e a importância do Mês do Orgulho LGBT+ na luta pelos direitos desta comunidade em todo o mundo e uma entrevista completa com o ator Pedro Henrique Müller

 

 

*Lucas Costa

Em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil, o mês de junho é marcado por uma intensa atividade relacionada à temática LGBTQIAP+. Entre os eventos que ocorrerão ao longo do mês, as Paradas do Orgulho dão um tom de ativismo em toda a busca incessante da comunidade em obter direitos igualitários e mais segurança para que possam viver suas vidas. Foi pensando nisso, que o Jornal da Barra foi conversar com o ator Pedro Henrique Müller, morador do bairro desde o nascimento.

Além disso, o mês, marcado por comemorações e lutas, ainda reserva uma data especial para comemorar: o Dia Internacional do Orgulho LGBT. Mas você sabe o motivo de toda essa movimentação da comunidade ser no mês de junho?

A bandeira do arco-íris é símbolo do movimento. (Foto: Internet)

Entenda abaixo a origem e a importância dessas comemorações em junho na luta pelos direitos desta população em todo o mundo. 

Isso se deve às manifestações que ocorreram após uma ação truculenta da polícia no ano de 1969 em um bar LGBT, em Nova York. A relação entre pessoas do mesmo sexo era algo proibido, naquela época.

O movimento ficou conhecido como a Rebelião de Stonewall, nome do bar onde aconteceu. Os frequentadores se revoltaram com a ação policial e fizeram diversas passeatas, transformando o momento em um marco histórico que reverbera até hoje.

Quando é o Dia do Orgulho LGBT?

Comemorado em 28 de junho, o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ é uma forma dessa população e seus aliados lutarem por direitos e igualdade. Já no Brasil, existe o Dia Nacional do Orgulho Gay, que acontece em 25 de março, com o mesmo objetivo, mesmo que traga destaque para a sigla G do movimento.

A celebração é utilizada para instigar ações afirmativas e de políticas públicas voltadas para o público LGBT+, além de reunir pessoas pelo mundo lutando contra a homofobia. 

The Stonewall Inn é a loja onde deu início a luta. (Foto: Divulgação)

Em 2022, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a "Pesquisa Nacional de Saúde: Orientação sexual auto identificada da população adulta" que mostra 2,9 milhões de pessoas adultas que se auto declaram lésbicas, gays ou bissexuais. Este número, entretanto, pode estar subnotificado por conta do preconceito ainda presente na sociedade.

Criminalização da Homofobia

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu favoravelmente a criminalização da homofobia em junho de 2019, incluindo-a ao artigo 20 da lei 7.716 de 1989 que “define os crimes resultantes de preconceito de raça e cor”. A pena para o crime é de um a três anos de prisão e multa, podendo chegar até cinco anos de reclusão com agravantes.

Segundo o levantamento mais recente feito pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) em janeiro de 2023, cerca de 52% das pessoas gays foram vítimas de violência, sendo 42,96% dessas pessoas travestis e transexuais. 

Entrevista com Pedro Henrique Müller

Batemos um papo super descontraído com o ator, que em seu primeiro personagem na televisão fez o Capitão Otávio, na novela das 18h da TV Globo, 'Orgulho & Paixão'. Otávio era par de Luccino (Juliano Laham), um jovem italiano que era dono da oficina de automóveis do Vale do Café. O casal, inserido em uma trama de época, foi um dos maiores acertos da novela, o que resultou em um bom nível de audiência e comentários positivos sobre o shipp #Lutavio.

Pedro Henrique durante a peça 'Saco de Batata'. (foto: Reprodução/Instagram)

A seguir, você confere a entrevista com o ator que falou sobre carreira, orgulho, e muito mais…

Jornal da Barra: Primeiro de tudo, vou pedir para que você se apresente, Pedro.

Pedro Henrique Müller: Me chamo Pedro Henrique Müller, sou ator, tenho 32 anos, sou carioca e morador da Barra da Tijuca a bastante tempo, basicamente a minha vida inteira. Um pouco no Recreio, um pouco em Laranjeiras, mas basicamente morando na Barra. Especificamente ali na Barrinha, perto do Joá. E eu sempre gostei de morar aqui, porque é silencioso, tem as coisinhas perto, e não tem aquela coisa da cultura de condomínio que tem um pouco na Barra, das coisas tudo ficarem longe, e você precisar de carro.

Eu trabalho com TV e teatro há bastante tempo, e também tenho um canal no Youtube, sobre literatura, teatro… clássicos da literatura e do teatro.

JB: Quando você se percebeu um homem LGBTQIAP+?

PHM: Acho que a primeira vez que eu tive essa percepção foi com 13 anos. Mas até me abrir para família, botar isso publicamente, depois de estar bem comigo mesmo, foi com uns 15 anos mais ou menos. E foi já direto namorando, o que foi importante, porque eu já tinha um relacionamento para poder fazer esse movimento de tornar isso aberto para os familiares. Era um período diferente do atual, não faz tanto tempo assim, mas esse tempo já mudou alguma coisa. Nós caminhamos bastante em diversos aspectos, mas devemos estar sempre atentos, porque a gente anda pra frente, mas também retrocede. Não só progredimos necessariamente, pois ainda tem um movimento muito forte que quer nos empurrar de volta para o armário e não tornar a coisa pública. Mas caminhamos bastante… Hoje a gente trata do assunto de uma forma bem menos envergonhada, muito mais natural, como tem que ser, como é.

Mas me perceber, foi bem novo até, com uns 13/15 anos, assim.

JB: Você alguma vez sentiu medo de abrir sua relação com o seu marido, por conta da sua profissão? Em algum momento, você sente que isso foi um tipo de “peso” para você?

PHM: Foi, foi uma preocupação, e ainda é, embora mude a nossa relação com a questão, a gente possa falar mais abertamente sobre, e que cada vez mais você tem as pessoas falando abertamente, assumindo a sua sexualidade, a gente ainda tem um grande número de pessoas conservadoras, que ainda não lidam bem com essa questão, então pra profissão, eu gostaria que não fosse, luto para que não seja, mas ainda é, infelizmente. 

Pedro e seu marido, Marcello Talone. (Foto: Reprodução/Instagram)

A gente avançou ao longo dos anos, onde cada vez mais nós temos atores que vão a público fazer suas declarações, ou até que tratam minimamente, e que não precisam ficar escondendo essa questão, mas o receio ainda existe, porque é uma questão do mercado. Como é em outras tantas áreas do mercado de trabalho. ‘Você pode falar’, mas ainda assim não querem que você fale totalmente. Ou então, ‘é melhor que você não fale porque aí você vai se poupar’, que eu não sei do quê. Se poupar das suas relações? Da sua vida pessoal? Enfim, eu entendo também quem não quer muito falar sobre porque prefere manter sua vida pessoal reservada, privada, mas por outro lado, quando a gente tá falando de um movimento fundamental para que isso se naturalize, eu acho importante essa sua declaração.

JB: E você chegou a fazer essa “declaração” de ser homossexual?

PHM: Eu acho que em nenhum momento eu fiz essa declaração do tipo ‘olha só, vou declarar uma coisa muito importante’, porque eu inclusive acho que não faz parte da minha personalidade. Apesar de ser ator, eu sou um pouco tímido, eu gosto de manter a minha vida privada, na esfera do privado, mas eu acho que é importante, para que as pessoas LGBT assumam todas as áreas com tanto espaço quanto pessoas heterossexuais, cis e etc… 

JB: Na época da novela você deve ter recebido muitas mensagens de pessoas LGBT, por conta do seu personagem. Pra você como foi esse movimento de receber tantas pessoas te procurando para falar sobre?

PHM: Foi muito importante. Eu acho que isso foi a coisa mais importante de todo o trabalho, até porque foi a minha primeira vez trabalhando com a televisão, e fazer um personagem que foi se descobrindo LGBT ao longo da trama, fazia muito parte da minha história pessoal. Eu fiquei muito identificado com o personagem. E também tentei levar muito da minha própria experiência, que eu acredito que com todas as diferenças, chegou nas pessoas. E essa função da teledramaturgia é muito importante porque ela tem um alcance muito vasto, ela chega nas casas de praticamente todos os brasileiros, e ela chega de uma forma muito particular, íntima e subjetiva, onde elas se identificam ou não com as histórias. 

Juliano Laham (Luccino) e Pedro Henrique Müller (Capitão Otávio) em 'Orgulho e Paixão'. (Foto: Reprodução)

Eu recebi muitas mensagens de pessoas jovens, e de pessoas idosas também, porque era uma novela das 18h, e ela pega muito as pessoas de uma faixa etária mais jovem que estão saindo do colégio, ou pessoas mais velhas, terceira idade e tal, e eu recebia muitas mensagens e encontrava muitas pessoas idosas na rua que falavam ‘eu tô adorando a história dos personagens’, ‘eu acho uma gracinha a relação dos dois’... Então isso, eu achei muito importante, que era uma coisa que era um receio. Era uma coisa que podia ser bem recebida por uma pessoa mais jovem, e uma galera mais velha achar ofensivo de alguma forma, e não, não foi o que aconteceu. 

Talvez pela forma como foi construída, que era uma novela de romance, delicada, sutil, aí as pessoas viam aquela relação se construindo sutilmente, pouco a pouco, e com isso eu recebia muito essas mensagens, tipo: ‘a minha tia que era muito preconceituosa passou a ver meu relacionamento de outra maneira, então agradeço muito ao personagem’, ‘minha avó passou a falar comigo de afetos, e antes ela não falava’. então essas mensagens pra mim, valeram o trabalho inteiro, como acho que nenhum outro trabalho valeu até hoje, por esse impacto, por essa função que eu acho que é uma função da teledramaturgia de você  tratar sobre questões importantes, presentes, atuais, de uma maneira que gere proximidade e identificação com o público.

JB: Na época da novela, você chegou a sentir algum medo que o beijo pudesse sofrer algum tipo de boicote, alguma coisa do tipo?

PHM: Gerou super. Acho que todo mundo fica porque todo mundo queria que o beijo fosse ao ar, a equipe, a criação toda, artística, os diretores, roteiristas, atores estavam empenhados para que aquilo acontecesse. Porque a gente sabe que também tem outras forças que talvez sejam superiores. A questão é mais complexa do que parece. A gente tinha muito receio de que não fosse ao ar. Então a gente veio fazendo tudo de uma forma também um pouco quase que devagar, discreta, assim, a gente queria que ela acontecesse como aconteceu que foi e é isso, teve a comemoração, mas também não foi uma comoção a ponto de gerar inclusive um movimento contrário, sabe? Claro que teve em algum lugar, mas ele não foi tão importante assim, eu gosto de falar bastante isso também, porque é um exemplo que diferente, sei lá, do beijo da Fernanda Montenegro com a Nathália Timberg na novela das nove ou até o próprio beijo Félix e Niko pela sua celebração, pelo seu horário, não sei o que, tem uma repercussão muito maior, positiva e aí negativa. 

A nossa foi assim na medida, que teve mais comemoração do que represália. E aí isso foi muito maravilhoso também, motivo de muita comemoração para mim até hoje, sabe? O casal teve uma repercussão muito mais positiva do que qualquer incômodo. Era um dos casais mais bombados, que tinha maior torcida, tinha alguns que eram bem queridos do público e esse com certeza foi um queridinho. 

O casal Lutavio foi super aceito durante a novela. (Foto: Reprodução/TV Globo)

JB: Recentemente, as obras televisivas vem sofrendo alguns boicotes, e cenas de beijos entre personagens LGBTs vêm sendo cortadas na edição, mesmo que tenham sido gravadas, o que fique faltando algo na trama. Você gostaria de comentar sobre?

PHM: Eu concordo com você e eu fico tão triste e indignado quanto qualquer espectador. Fica parecendo um pouco também que assim, temos os personagens LGBTs mas está bom também. Está bom só ter. Porque aí agrada ao público LGBT ou a quem quer que tenha personagens LGBTs numa trama, mas não ofende aqueles que não querem. E eu não estou interessado em não ofender aqueles que não querem. Pelo contrário. Eu acho que se a pessoa tem algum problema, alguma questão, com personagens LGBTs o problema é da intolerância dela. E aí eu acho que é um um movimento covarde e conformista eu não consigo aceitar passivamente, entendeu? Eu fico indignado. Fico tentando até não me indignar tanto, eu prefiro sempre comemorar as coisas mais positivas em relação a representatividade LGBT mas eu fico muito incomodado, acho terrível.

JB: E você percebe que isso refletiu inclusive na audiência, na aceitação do público…

PHM: Eu acho isso, eu acho meio burro, porque você traz o público e joga ele fora. Você traz, você comemora pra depois desagradar, mas você não conta a história, foi o que você disse, você está contando a história pela metade. Ou você está desmontando a história que você mesmo está construindo. Então qual é o sentido? Eu acho que se você contar uma história você conta essa história por completo. Com todas as dificuldades que essa história possa vir a ter ou não. O lugar da arte é o lugar da criação, da imaginação. Você imagina novas histórias e novas possibilidades de histórias. Eu acho que também é um pouco falta de imaginação na verdade, você tem que lidar com tudo que a gente já está acostumado o tempo inteiro, as histórias não vão caminhar, né? Sei lá e ser ressignificadas, se reimaginadas. Eu acho que é um movimento muito embrutecedor, sabe? Muito conservador. E aí nesse sentido eu acho uma pena, uma tristeza. 

JB: Como você vê a questão da segurança para LGBT aqui na região da Barra? Quando você está com seu marido, você se sente seguro?

PHM: Eu me sinto seguro. A questão de ser LGBT num país como o Brasil, enfim, mesmo morando numa cidade grande como o Rio, sentindo que há certa liberdade de poder transitar pelos espaços e tudo mais é sempre um misto de sensações, de percepções porque por um lado eu me sinto seguro, por outro também o perigo está sempre à espreita, né? Você nunca está totalmente à vontade no espaço público. Então você sempre corre o risco de poder cruzar com alguém violento, mas eu nunca sofri nenhum tipo de ataque ou de ato violento, nem verbal e nem físico, graças a Deus. Então eu posso dizer que pela minha experiência é um lugar relativamente seguro. 


O casal é frequentador assíduo da Praia da Barra, na altura do Pepê. (Foto: Reprodução/Divulgação)

O que não quer dizer que às vezes você não veja alguns olhares, alguma coisa assim que pode gerar um incômodo, mas eu também faço a linha de quem não está percebendo aquilo e que vou viver a minha experiência independente, a minha liberdade, enfim independente. Mas nunca sofri. Porém volto a dizer, pra minha experiência é tranquilo sim, e espero que continue e que seja pra todo mundo. Eu não sou ingênuo ao ponto de achar que estamos livres de ataques homofóbicos na Barra da Tijuca. Claro que não. Mas eu nunca sofri graças a Deus. 

JB: Como que você vê a importância de ter um mês que celebra a luta? Um mês que reforça, que tem que ter orgulho sim. Como você vê a questão de ter um mês dedicado para isso?

PHM: Acho importantíssimo e acho que não tinha que ser só um mês, tinha que ser o ano inteiro porque é uma luta de vida inteira, do ano inteiro, uma luta que existe há muito tempo e que só podemos falar hoje, ter um mês hoje porque há uma série de histórico de lutas e de gente muito brava que sempre teve sem pudor, sem receio, se lançando à frente do debate e ir levando muito nas costas, correndo riscos mesmo, riscos às vezes de vida para que hoje em dia a gente possa talvez correr menos riscos e ter uma uma liberdade um pouco maior de se expressar, de ser quem a gente é, de poder viver a nossa subjetividade, nossas relações. Então é muito importante ter um mês pra gente ter a celebração desse movimento, a celebração dessa batalha, desse esforço. E por outro lado também a beleza de ter um movimento de celebração da festa que é poder ser livre, ser quem você é, e isso não está restrito ao público LGBT, isso tá expandido para quem existe, pra quem tem um corpo neste mundo e pode se expressar livremente, independente. 

JB: Você acredita que ela é uma luta para todas as pessoas, e não somente pertencentes à comunidade LGBT?

PHM: Com certeza! O movimento LGBT é importante não pra defender apenas as pessoas LGBT para defender a liberdade de existir, a liberdade de transitar pelos espaços, sendo como você é sem violentar a existência do outro, entendendo que nós somos absurdamente vastos, nós temos um milhão de possibilidades dentro dessa vida que não se restringe ao que esperam de nós, ao que querem que a gente faça. Pelo contrário, ela é infinita, ela é mutável. 

(Foto: Fabio Audi/Instagram)

Eu acho que pra mim a celebração da vida LGBT é a celebração também da mutabilidade da existência do ser humano, do indivíduo, da sociedade, dos povos. É uma coisa muito mais vasta e eu acho isso muito valioso na verdade. E fora que ser LGBT é bom demais, é maravilhoso, eu não trocaria por nada. Se tivesse a possibilidade de escolher, como muita gente acredita que há uma possibilidade de escolher, eu escolheria 39 milhões de vezes ser LGBT porque é maravilhoso. É muito mais gostoso, livre, aberto, rico, do que pertencer também a uma ideia de identidade que é limitada. A minha ideia de identidade é mutável e ela é metamórfica.

JB: Pedro, você gostaria de deixar algum recado final? Um recado para quem está se descobrindo, ou que já se descobriu, mas ainda sofre com questões internas… Qualquer recado.

PHM: Meu recado é, o mais importante é você tá bem consigo mesmo, antes de qualquer coisa, você está contente com quem você é, e eu acho que a grande beleza de você poder ser LGBT é você tá aberto a se descobrir. Aberto a entrar em contato com você mesmo e com a beleza de você ser você mesmo. não tem nada mais libertador do que ser quem você é, e é muito triste que tem pessoas que queiram impedir isso a limitar isso, mas elas são pequeniníssimas eu acho que maior alegria e beleza da vida é você tá podendo descobrir sempre quem você é. E esse é um processo que não acaba nunca, que você não resolve ele rapidamente. A gente vive pra ficar tentando descobrir quem a gente é. Mas eu acho que a maior alegria é você estar sempre podendo tá contente com essa descoberta, com esse trabalho de descobrir quem é você