Dançarino, professor, cineasta, pai...
Bastou adaptar uma casa na Rua Uruçanga em uma academia de dança, que Carlos Laerte tranformou a vida de mais de 200 jovens. A equipe do JORNAL DA BARRA visitou a Academia das Artes em Jacarepaguá e conversou com o idealizador do projeto social que move a arte na região.
Como nasceu sua paixão pela dança?
Aos meus 12 anos. Sempre dancei nas festinhas com os amigos e isso desenvolveu uma paixão. Não foi nada consciente, mas era divertido, sempre me fez muito bem. Hoje, com carreira consolidada, vejo que a dança é uma terapia corporal e mental absurda. Eu era o “rapaz que dançava” e ganhei uma bolsa em uma escola de dança na Penha (Zona Norte do Rio). A dança entrou na minha vida por osmose e quando percebi, eu já era um bailarino profissional e já trabalhava profissionalmente aos 16 anos num musical infantil. Precisava ganhar dinheiro, então comecei a dar aula, mas percebi com o tempo que poderia viver disso. Desenvolvi mais meu estudo e com 17 anos fui estudar nos Estados Unidos e vi que era isso que eu queria.
Como foi estudar nos Estados Unidos e quais as diferenças o ensino de lá para o do Brasil?
Primeiro eu fui para conhecer, fiquei 21 dias e fiquei encantado. Depois juntei dinheiro que nem louco para voltar e ganhei uma bolsa para estudar lá. Estudei na Steps on Broadway, Broadway Center e no Harley School. Foi incrível, porque o ensino lá é diferente em tudo. A seriedade, respeito, comprometimento... Aqui, falamos de preconceito até hoje. Infelizmente tenho que explicar aos pais que dançar não tem a ver com sexualidade, mas imagina naquela época? Cheguei lá e vi que o que falavam aqui não tinha nada a ver, era apenas arte. No Brasil, falamos de um cara ser profissional de dança há duas décadas, enquanto lá, isso já é normal há cinco. Até hoje as companhias de dança profissional sentem falta de incentivo do governo e até mesmo da sociedade, em perceberem que o cara pode viver de dança e muito bem.
Você é um exemplo de sucesso com a dança a ponto de criar uma escola para repassar o conhecimento...
Trabalhei com artistas como Jorge Fernando, Miguel Falabella, Wolf Maia, Claudia Raia, Debora Cocker... E mais maduro e consolidado, senti a necessidade de passar o que eu aprendi adiante. Sempre fui professor, até porque aprendo com meus alunos e levo esse aprendizado para o palco. Mas pensei em criar um caminho para o aprendizado também como gestor. A criação dessa escola foi uma necessidade minha, mas também da região. O projeto começou pequeno, com 20 crianças, mas deu muito retorno. Teve aluno indo estudar nos Estados Unidos, Dubai... E são crianças que nasceram em Rio das Pedras e que não tinham perspectiva. Não é um papo clichê. Se todo mundo fizer um pouco, dá certo. Hoje, temos 100 crianças e já tivemos 200, sem patrocínio nenhum. Eu penso como cidadão: “o que eu posso fazer pela minha região? Como posso potenciar essas crianças? O que elas estariam fazendo se não estivessem aqui?”
Você tem uma visão sobre projeto social que é bem diferente da maioria...
Por ter morado fora muito cedo, percebi que o que dá certo é ter responsabilidade e ser comprometido com aquilo que você foi agraciado. Sendo bolsista em Nova York, acordava 5h e trabalhava limpando o espelho da sala. Eu pagava minha bolsa trabalhando também na recepção e isso me faz falar inglês melhor. Funcionava como uma troca. No Brasil, as pessoas entendem a bolsa como um favor que estamos fazendo, então queríamos inverter isso para mostrar a valorização do que estamos oferecendo com comprometimento. Cobramos boas notas, resultado de apresentações e assim mostramos para os pais o que estamos fazendo. Alunos que perdem nota na escola, de fato, perdem a bolsa aqui e só tem o direito de voltar dois anos depois. É um projeto sério e mesmo sem patrocínio estamos nessa há cinco anos e vemos o resultado.
Como foi sua identificação com a dança contemporânea?
Eu comecei trabalhando com ballet clássico e jazz, mas comecei a me identificar com o o contemporâneo, quando criei minha companhia, porque eu senti necessidade sobre o que eu queria dizer, eu quis expor minha identidade. E vejo que, cada vez mais, as pessoas tem uma identidade muito própria, e eu acho isso muito bom, eu aguço nas pessoas a identidade. Isso é o ‘ser contemporâneo’, trazer a identidade do aluno. Como se fosse um trabalho de equipe, cada um agrega um pouco. E isso deu uma amplitude muito grande ao meu trabalho, porque comecei a dividir meu pensamento com outros pensadores. A dança contemporânea trabalha muito com a dança do outro, da forma como o outro vê a dança. Não é uma questão só de coreografia, a dança contemporânea tem uma troca, é viva, tem uma interatividade, que é o que vivemos nos dias de hoje. É muito pergunta e reposta, é uma arte que te faz pensar, porque é questionadora.
Fale sobre os seus trabalhos atuais, tanto na abertura do Fantástico quanto nos espetáculos ‘Relações’.
São trabalhos paralelos, até para que os alunos vejam e percebam onde eles podem chegar e vejam como mercado absorve um bom profissional.
Quais os futuros planos para o projeto?
É um sonho como cidadão potencializar os jovens da região. Temos um aluno que foi para a Miami City Ballet. Outros sempre ganham primeiros lugares nos festivais e nossa ideia é que saiam daqui como profissionais, potencializando cada vez mais Jacarepaguá, para que a sociedade tenha orgulho do que temos aqui. Eu poderia estar morando na Zona Sul, mas estou aqui potencializando, artisticamente e culturalmente, para que apareçam outros profissionais aqui, porque os jovens são apaixonados pela escola, se pudessem ficavam aqui todos os dias, porque a dança faz muito bem. Tínhamos alunos com depressão antes de virem para cá.
O que você diria para os seus futuros bailarinos?
Vocês podem acreditar que vocês vão chegar. Eu cheguei. Aliás, eles já estão chegando...