A disputa entre startups para conseguir preencher suas vagas de trabalho ficou ainda mais acirrada com a consolidação do home office
Filipe Oliveira (Folhapress)
A disputa entre startups para conseguir preencher suas vagas de trabalho ficou ainda mais acirrada com a consolidação do home office. Funcionários mais experientes e que dominam o inglês passaram a ser procurados por startups estrangeiras, que aproveitam a desvalorização do real para conseguir bons funcionários a um preço muito menor do que em seus mercados locais.
Para o brasileiro, é uma forma de multiplicar os ganhos e ter uma experiência internacional sem precisar sair de casa nem se preocupar com visto de trabalho. Paulo Moraes, diretor da empresa de recrutamento Talenses, diz que, com a falta de mão de obra em tecnologia em todo o mundo, o mapeamento de talentos passou a acontecer de forma globalizada. "Isso já acontecia, mas, com a pandemia, esse movimento explodiu", afirma.
Caio Arnaes, diretor de recrutamento da Robert Half, também da área de recursos humanos, diz que o profissional brasileiro de tecnologia é competitivo no exterior por ter bom desempenho e custo baixo.
"A empresa estrangeira pode ter uma economia de 60% na contratação", afirma. Arnaes diz que o avanço das empresas estrangeiras só não é maior porque elas têm dificuldade de encontrar profissionais com fluência na conversação em inglês. "Para fechar uma vaga que demanda o idioma, precisamos fazer três vezes mais entrevistas", diz.
Nas startups brasileiras, a opção é aumentar salários ou reagir contratando em outros mercados. Gabriel Engel, sócio da startup Rocketchat, de ferramentas de trabalho para equipes remotas, estima que a contratação no Brasil está cerca de 30% mais cara após a abertura do mercado. Ele diz que funcionários de sua startup são procurados diariamente por outras empresas de tecnologia estrangeiras, em especial porque já são adaptados ao inglês e ao formato de trabalho longe do escritório.
A empresa de Engel tem 115 funcionários, a maior parte trabalhando de fora do Brasil, em 30 países diferentes. Engel diz que oferecer trabalho remoto antes era um diferencial para sua companhia na hora de contratar e, agora, virou a regra. "Acabou o tabu de muitas pessoas, e ganhamos competidores no mundo inteiro", afirma Engel.
O cenário acende o alerta para o risco de um apagão de mão de obra, afirma Felipe Matos, presidente da ABStartups (Associação Brasileira de Startups), que confirma a alta nos salários. Para ele, o cenário é agravado pela ampliação dos investimentos no setor, que aumentam também a competição interna.
Em sua opinião, as startups brasileiras precisarão entrar na competição global e contratar em outros países, ao mesmo tempo que devem olhar para regiões afastadas dos grandes centros comerciais no Brasil e investir mais na formação de novos profissionais.
A tendência de internacionalização das contratações fez chegar ao Brasil, em abril, a startup americana Deel, especializada em gerenciar pagamentos e contratos com funcionários de fora do país. A companhia surgiu em 2018 e captou US$ 156 milhões para expandir suas operações neste ano após crescimento rápido na pandemia.
Cristiano Soares, diretor da Deel para o país, diz acreditar que, como profissionais brasileiros estão muito visados no exterior, elas deverão procurar desenvolvedores em países como Ucrânia e Polônia ou em vizinhos na América Latina.
A demanda de estrangeiros chegou com tanta intensidade à startup de recrutamento Revelo, que está no mercado desde 2014, que a maior parte do faturamento da companhia já vem desse tipo de contratação, lançada em novembro do ano passado, afirma Lachlan de Crespigny, sócio da startup.
O empresário diz que passou a oferecer o atendimento para companhias estrangeiras no fim do ano passado como resposta à procura que partiu delas. Segundo a Revelo, os salários iniciais para quem é contratado para trabalhar no exterior ficam ao redor dos R$ 20 mil mensais. A startup não informa quantas contratações internacionais foram feitas com sua intermediação.
Para a designer Madalena Aguiar, 28, a contratação remota permitiu dobrar os ganhos. A designer trabalha de Barueri (Grande SP) para a startup AvantStay, de aluguel de residência de luxo para temporadas, com sede em Los Angeles.
Aguiar diz que recebeu convite para fazer testes para uma vaga internacional via LinkedIn. Ela afirma que, por ter um filho de sete anos, não tem interesse em se mudar do Brasil agora, mas gostaria de praticar o inglês no ambiente profissional.
"A experiência que eu tinha antes era de quem mora no Brasil e faz cursos", diz.
Renan Conde, 31, trabalha para uma startup de Barcelona a partir de São Paulo desde julho do ano passado. Entusiasta do nomadismo digital, Conde já morou em Portugal, de onde trabalhou para startups de outros países europeus.
Para ele, a possibilidade de morar em qualquer lugar e ter contato com pessoas de diversas culturas é o principal atrativo do trabalho remoto e internacional. Em seu emprego atual, teve contato com profissionais de países como Inglaterra, Holanda, Suíça, Suécia e Portugal.
No final de maio, porém, ele deve ir para perto do escritório. Irá para a Espanha após receber uma promoção, para o cargo de gerente de vendas. Também levou em conta para tomar a decisão a possibilidade de não precisar mais começar o expediente às 5h e de sair do Brasil em momento de pandemia ainda grave no país, afirma.