Ex-secretária municipal de educação, Talma Suane não vê como necessário o cancelamento de 2020 nas escolas
Após 34 anos dedicados ao ensino, com 25 deles na função de Diretora nas escolas municipais Alcide de Gasperi, em Higienópolis e República do Peru, no Méier, a professora Talma Suane aceitou o desafio em 2018, durante a gestão do prefeito Marcelo Crivella, de assumir a Secretaria Municipal de Educação. Visando projetos maiores, ela deixou esse ano o cargo, assumido atualmente por Sueli Pontes. Contudo, antes de sair, preparou o terreno para ajudar a educação do Município do Rio de Janeiro para combater a pandemia do covid-19 que vem se alastrando na cidade.
Muito longe de uma visão pessimista sobre o futuro do ano letivo de 2020, Talma vislumbra a positividade de se recuperar da pandemia e ainda ter os alunos da rede pública aprendendo e evoluindo cada vez mais nesse ano. Com a visão “fora da caixinha” onde os alunos não aprendem e evoluem apenas dentro das escolas, Talma mostrou que a educação é um composto de ações que se completam, e não apenas de um ponto.
Acompanhe nossa entrevista com a ex-secretária e entenda como poderá ser o futuro da rede pública de ensino com o coronavírus:
Você acabou sendo uma das primeiras pessoas diagnosticadas com a Covid-19. Você está recuperada? Como foi todo o processo?
Fui logo uma das primeiras pessoas a pegarem a covid. Posso dizer que ter pego naquele momento, se é que pode se dizer assim, foi bom. Afinal, peguei antes de termos tantos leitos ocupados e essa loucura que está atualmente. Porém, foi complicado, você recebe um baque forte de início quando recebe a notícia, mexe com o seu psicológico pelas informações que chegavam sobre ele, afinal eu tenho bronquite e sentia muita falta de ar. Mas graças a Deus passou. Não precisei ficar internada, mas fiquei trancada em casa durante 18 dias. Aliás, eu, meu marido e meu filho, nós três pegamos. Mas dos três, fui eu quem mais teve problemas, meu marido teve mais uma gripe e meu filho não teve nada.
O fato de você ter pego o vírus e ter sentido ele na pele, ressaltou a importância da questão do isolamento social?
Sim. Eu acho importante o isolamento porque precisa fazer o vírus circular com menos intensidade. As mensagens de que se está em quarentena não pega e que vem sendo vinculado de maneira errada. Aliás, quem é diagnosticado com o vírus precisa ficar em quarentena justamente para que ele não se espalhe. Quem não está com o vírus deve ficar o máximo de tempo em casa para evitar a circulação nas ruas, e assim não deixar com que ele se espalhe e diminua esse ritmo acelerado de contágio. Acho que as informações teriam que ser feitas com mais cuidados e mais explicativas. É fato que ficaremos sem dinheiro, mas o isolamento é importante e feito e as pessoas precisam entender.
Na sua opinião, quais os perigos que podem vir se as pessoas não respeitarem a quarentena?
Não há como ter condições para rede pública internar a todos. Aliás, cada um tem um sintoma diferente. Tenho uma conhecida de 90 anos que não alarmou nada do covid, porém, pessoas novas estão tendo e morrendo nos hospitais. Mas eu acho que o isolamento começou errado, ele deveria começar escalonado e não de uma vez como foi. A incerteza do que será o futuro é perigoso. Faz com que as pessoas quebrem o isolamento ou entrem em depressão. Em um país onde a maioria trabalha de manhã para ter o que comer a noite é difícil julgar quem está na rua, por isso, quanto menos criticar e falar dos outros é melhor. Mas a quarentena é válida e tem que acontecer.
Na chegada da covid-19, a senhora estava como secretária. Como foram as primeiras ações junto às escolas para poder ajudar as crianças a se protegerem e como foi conseguir comprar os produtos para isso?
Sempre tive muito cuidado com o dinheiro público. Quando começou a questão da compra do álcool gel, por exemplo, eu pesquisei e vi que os valores estavam altos, mas consegui comprar para cada escola cinco litros de álcool gel por R$130,00. Quando fui ver na área da saúde, onde o valor deveria ser o menor, me deparei com a mesma quantidade por R$150,00. Com isso, vi que havia conseguido o melhor preço. Mas a verdade é que empresa pública necessita muito cuidado. Precisamos pesquisar locais, valores, a idoneidade das empresas, muita gente entra nas licitações para emperrar o sistema e no final não continua, o que trava tudo.
Alguma empresa recebe e não faz o serviço ou entrega o produto?
De maneira nenhuma. A lei 866 deixa proibido o pagamento antecipado por órgão público de qualquer serviço. O que existe, em caso de emergência, é a compra sem licitação, afinal, no caso como o que vivemos, uma licitação demora em média de dez dias. Imagina quantas pessoas não morreriam nesse período até a liberação do dinheiro. Isso existe, mas pagar antecipado, nunca.
Quais são os passos tomados pela secretaria em relação aos alunos após a paralisação?
Está sendo feito algo para salientar a importância junto às crianças sobre a questão de isolamento?
A primeira preocupação em suspender as aulas, foi não perder o vínculo com as escolas. Em dois dias, após a paralisação, botamos um aplicativo onde as crianças manteriam a parte pedagógica e os professores sempre em contato com as famílias, foi um sucesso logo de começo com 3 milhões de acessos e semanalmente ele é alimentado com atividades. Para os alunos especiais, criamos o atendimento para as mães, com parte psicológica, pela dificuldade dos alunos especiais. Afinal, quando falamos em crianças especiais temos desde uma criança com Síndrome de Down até um autista de nível alto que pode se bater, por isso precisamos dar esse apoio. Passamos a ter esses professores e psicólogos tendo contato diariamente para poder dar o subsídio. A grande preocupação não era questão de aprendizagem, e sim vínculo com a escola. Para a questão de conscientização, tivemos todo o planejamento com material pedagógico sobre o coronavírus.
A educação à distância exige que os alunos tenham um computador em casa. Como será feito para crianças que não possuem o computador ou acesso a internet?
A realidade que vivemos hoje é que todos temos whatsapp. Se a criança não tem, alguém da família tem o aparelho. Assim, fizemos questão de alinhar com os parentes para que eles recebam links para serem baixados com o material para ser feito com as crianças. Assim, eles podem ler o que deve ser feito no celular e escrever as respostas no caderno. Para isso, fizemos uma parceria, antes de sair, com o pessoal das telefonias que deve já ter sido assinado, que todos, independente de ter internet ou não, receberiam os links da prefeitura de material pedagógico, todos teriam acesso, as operadoras de telefonia. Parte desse material é interativa com jogos e brincadeiras. A ideia é liberar o acesso para que as pessoas possam baixar e ter acesso aos sites da prefeitura sem precisar possuir a internet, isso dentro do município.
Muitas pessoas já dizem que o ano letivo de 2020 está perdido, você concorda?
Não. Tem como salvar. Óbvio que o que vai acontecer é ter determinados temas com profundidade menor agora, mas aprofundá-los no ano que vem. Voltando no segundo semestre é um ano com menos atividades e menos conteúdo. Mas o que me preocupa de verdade, é o tamanho do dano causado em dizer as crianças que esse ano está perdido. É um prejuízo muito grande. Aprendizagem é processo de construção. É hipocrisia dizer que as crianças não tiveram aprendizado nesse momento. Materialmente essa crise fez trazer uma nova visão de mundo. Dizer que só se aprende com o que esta em espaço físico da sala de aula é muito pequeno, o aprendizado vai muito além. A rede de município está fazendo de tudo para manter esse vínculo para incentivar as crianças a ir estudar, está sendo feito resumo do semestre para entregar para eles. Tudo para que o ano letivo não seja desperdiçado.
Como pode ser feito em um semestre, um ano letivo completo?
Pensar nos conteúdos e amenizar esse fato. Pessoas querem copiar o que acontece lá fora onde muitos lugares já deram o ano como perdido, mas cada lugar é um lugar. Para mantermos é todo um processo de conversar com o MEC, validar o ensino a distância. Quem não conseguir estudar nesse período, temos o “Sábado Carioca”, que é uma possibilidade de reforço para quem não teve o aprendizado ou o contato por algum motivo. Mas de qualquer forma é precipitado e soberbo dizer que perdemos esse ano. Claro que precisa se reinventar e analisar os temas que precisam ser dados. Trazer novos modelos e junto com o órgão publico atualizar o modelo de ensino.
As escolas particulares dão aulas online para justificar os valores pagos. Seria possível fazer o mesmo com a rede pública, uma vez que temos esse problema de baixo custo das famílias?
Sim. Isso está acontecendo com a Microsoft. Já tínhamos emails com o Rio Educa, assinamos os contratos para que as salas on-lines passassem a serem feitas, e aulas com professores. Já estão montadas as salas para as aulas virtuais, mas ainda não começou, pois está sendo estudado como colocar todos em rede, afinal são muitos alunos. Até educação infantil está nessa jogada. Esse é o vínculo que não pode perder. Porém, muitos fazem as aulas via Facebook, Whatssap e Zoom, pois é uma prática que já vem sendo feita e montada virtualmente. Nesse momento é uma oportunidade que todos podem ter. Isso permite também um controle de acesso dos professores e dos alunos que estão fazendo as aulas.
Atualmente temos a Sueli Pontes que assumiu a sua vaga. Você a conhece? O que podemos esperar dela?
Sueli eu conheci em uma reunião onde ela recebeu um prêmio da secretária de educação da época pelo seu trabalho. Quando cheguei como chefe de gabinete vi a Sueli lá e começamos a nos dar muito bem. A escolha dela é pelo fato de ter as mesmas preocupações que eu tinha, com oportunidade para quem precisa e mostrando que a rede de educação é patrimônio do Rio de Janeiro. Ela tem a mesma visão de fazer com que a criança aprenda, com graus de dificuldades para evoluir. Não apenas passar a mão, mas desafiá-la para poder fazer com que ela evolua e descobrir os pontos a serem melhorados, tanto nela como no estilo de ensino.
Deixe um recado para os nossos leitores sobre o futuro da nossa educação frente à pandemia.
Não pode dizer que não dá tempo. Em meio à greve todos encontram uma saída, assim como devemos conseguir isso nesse caso. Não tem pra que perder o ano. Se pudermos tirar um ponto positivo nisso tudo é que estamos aproximando mais as famílias. Acredito em um processo de educação onde a família esta inserida. A minha gestão na educação foi de humanizar. Essa era a minha preocupação. Acredito que hoje as famílias estão mais participativas e isso é um ponto positivo para não termos essa perda letiva.