Só estão de fora da portaria as universidades estaduais
O Ministério da Educação publicou nesta quarta-feira (2) uma portaria no Diário Oficial da União que determina o retorno das aulas presenciais para todo o sistema federal de ensino superior do país a partir do dia 4 de janeiro de 2021.
Todas as instituições reguladas pelo MEC - caso das universidades, dos institutos federais e das faculdades particulares - terão de voltar aos trabalhos presenciais. Só estão de fora da portaria as universidades estaduais.
Para o retorno presencial das atividades ocorrer de forma tranquila, segundo o ministério, as instituições deverão adotar um "protocolo de biossegurança" contra a propagação do novo coronavírus.
A portaria, assinada pelo ministro Milton Ribeiro, não especifica quais medidas devem ser previstas no protocolo. Também não diz se as instituições devem avaliar os dados epidemiológicos da região em que estão.
O documento estabelece ainda a adoção de recursos educacionais digitais, tecnologias de informação e comunicação ou outros meios convencionais, que deverão ser "utilizados de forma complementar, em caráter excepcional, para integralização da carga horária das atividades pedagógicas".
O texto da portaria diz, também, que as "práticas profissionais de estágios ou as que exijam laboratórios especializados, a aplicação da excepcionalidade", devem obedecer as Diretrizes Nacionais Curriculares aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), "ficando vedada a aplicação da excepcionalidade aos cursos que não estejam disciplinados pelo CNE".
O documento estabelece, que, especificamente, para o curso de medicina, "fica autorizada a excepcionalidade apenas às disciplinas teórico-cognitivas do primeiro ao quarto ano do curso, conforme disciplinado pelo CNE".
Dirigentes de universidades federais ouvidos pela Folha dizem que a portaria fere a Constituição por desrespeitar a autonomia administrativa e acadêmica das instituições. Também afirmam que a portaria pode esbarrar nos planos estaduais de enfrentamento à pandemia.
Eles também avaliam que, depois das críticas de falta de ações no comando do ministério, Ribeiro procura ações para se aproximar e agradar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Em live na semana passada ao lado do chefe, o ministro disse defender o ensino presencial.
O ministro também se negou a homologar o parecer do CNE (Conselho Nacional de educação) que autorizava as instituições de ensino a continuar ofertando aulas remotas no próximo ano.
Segundo João Carlos Salles, reitor da UFBA (Universidade Federal da Bahia), a portaria do MEC mostra desconhecimento da realidade das universidades federais e da forma como funcionam. "Só na UFBA são 50 mil alunos, como garantir que todos eles voltem de forma segura? Ainda mais em um contexto de redução orçamentária."
A reitoria da UFBA já anunciou que as atividades presenciais só serão completamente retomadas quando houver possibilidades seguras e não por determinação do MEC. "Respeitando nossa autonomia, só retornaremos quando pudermos fazer de forma responsável."
Em nota à comunidade, a UFABC (Universidade Federal do ABC) também informou que continuará seguindo os protocolos que já estavam sendo adotados, de retorno gradual às atividades presenciais, tendo como referência o quadro epidemiológico das cidades em que estão suas unidades.
Soraya Smaili, reitora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), também disse que a instituição não fará o retorno presencial na data estabelecida pelo MEC. Com a pandemia, o calendário letivo foi alterado e as aulas do segundo semestre de 2020 só encerram em março do próximo ano.
"Não podemos mudar esse planejamento agora, porque requer tempo e condições. Precisamos de mudanças na infraestrutura, manutenção, limpeza, ventilação. Mesmo que houvesse condições de fazer tudo isso em um mês, os dados epidemiológicos de São Paulo não permitem o retorno presencial completo", diz.
Os dirigentes também destacam que as universidades federais não têm recursos disponíveis para a contratação de mais equipes de limpeza, reformas nos espaços para maior ventilação e distanciamento social e compra de EPIs. "Estamos no fim do ano, todo o orçamento de custeio já foi empenhado. Não temos caixa para essas compras e contratações em menos de um mês", diz Smailli.
Um estudo feito pela Unesp identificou que, para um retorno seguro com todos os alunos voltando para aulas presenciais, seria necessário triplicar o número de salas e espaços didáticos ou redividir as turmas em três, o que exigiria a contratação de mais servidores técnicos e professores. "Não temos recurso e tempo para fazer isso até 4 de janeiro."
Para Rodrigo Capelato, diretor do Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior), a medida está alinhada com a ação da pasta de tentar estimular a volta presencial, mas deixa brechas para que as aulas continuem de forma remota.
"O texto diz que o ensino online pode ser usado em caráter excepcional, que é o que já temos hoje. A excepcionalidade pode ser a proibição de estados e municípios, um surto na instituição de ensino, entre outros motivos."
As instituições de ensino federal suspenderam as aulas e atividades presenciais em março. Nos últimos meses, os trabalhos têm retornado parcialmente. O retorno, no entanto, tem ocorrido em áreas onde o modelo remoto impede o aprendizado e a pesquisa, como em disciplinas práticas.
Há quase cinco meses no comando do MEC, Ribeiro tem sido alvo de críticas de integrantes do próprio governo pela inação nos rumos da política educacional brasileira. Internamente, ele é visto como um ministro decorativo.