Restrições a viagens ao exterior dão força ao mercado nacional, mas setor ainda deve sofrer com incertezas
Por Marília Miragaia
De ano promissor para o turismo, 2020 se revelou um balde de água fria para o setor, que tem uma recuperação lenta e difícil de prever.
"Em março e abril havia a perspectiva de que a pandemia acabasse em junho. Foram raros casos de projeções de longa duração, que incluíam novas ondas", diz Mariana Aldrigui, professora do curso de lazer e turismo da USP.
Mesmo com o início da vacinação no mundo, viagens voltaram a se retrair com o registro na África do Sul e no Reino Unido de variantes mais transmissíveis de coronavírus. Mais de 40 países, incluindo o Brasil, proibiram voos com origem ou passagem pelo território britânico.
O trânsito de pessoas entre países não vai ser restabelecido com rapidez, afirma Trícia Neves, sócia-diretora da consultoria em turismo Mapie. "Podem vir outras incertezas. Está difícil falar de reabertura de fronteiras."
A percepção também pode ser vista em números do setor aéreo, que teve o maior impacto negativo desde a Segunda Guerra Mundial, diz Dany Oliveira, diretor geral da Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo) no Brasil.
Segundo a entidade, em 2019 foram transportados 4,5 bilhões de passageiros. Com a chegada da Covid-19 em 2020, esse número caiu para 1,8 bilhões, o equivalente a 2003. Em 2021 a recuperação deve ser parcial, com a projeção de 2,8 bilhões de passageiros.
O efeito severo também se deu na hotelaria, que chegou a ter quase 80% dos estabelecimentos fechados no país entre março e a primeira quinzena junho, de acordo com Manoel Linhares, presidente nacional da Abih (Associação Brasileira Indústria Hotéis).
"A hotelaria está vivendo de feriado e fim de semana prolongado. Enquanto não tivermos vacinação, o setor ainda vai sofrer", afirma ele.
Para especialistas e representantes da área, é difícil fazer previsões para o turismo em 2021 depois de um ano com tantas oscilações. Mas a retomada está atrelada à administração dos casos de covid-19 com a chegada dos meses de alta temporada e com o calendário de imunização, diz Mariana Aldrigui, da USP.
De um lado, o começo da vacinação deve aquecer reservas. Por outro, muita gente pode adiar os planos de viajar com medo de que cidades proíbam repentinamente a entrada de visitantes em decorrência do aumento de casos de Covid.
A seguir, veja como a pandemia impactou o turismo em 2020 e como deve ficar o setor no ano que se inicia.
Viagens internacionais e corporativas em baixa
O mercado aéreo internacional deve continuar sendo muito impactado em 2021, já que regras de quarentena e a dificuldade de voltar para casa em caso de imprevisto podem assustar turistas.
No mercado doméstico brasileiro, é esperado que a demanda de passageiros seja semelhante à de 2019, diz Dany Oliveira, da Iata.
Já nas viagens corporativas, Neves, da Mapie, prevê uma redução permanente. "Ninguém mais vai atravessar o país só para fazer uma reunião."
Novas oportunidades para destinos brasileiros
Turistas devem seguir usando a restrição a viagens internacionais para conhecer melhor o próprio país.
"Mas os destinos têm de fazer sua lição de casa para que os viajantes continuem interessados pelo Brasil. Isso é um papel de todos os estados e do Ministério do Turismo", diz Magda Nassar, presidente da Abav (Associação Brasileira de Agências de Viagens).
As atrações nacionais também precisam de mais serviços e experiência, diz Neves. Para ela, um exemplo bem sucedido é Gramado, no Rio Grande do Sul, que tem não só opções ligadas à serra, mas também parques temáticos e um calendário de eventos.
"Às vezes faltam coisas simples, como um banheiro perto da cachoeira", diz Roberto Haro Nedelciu, presidente da Braztoa (Associação Brasileira das Operadoras de Turismo).
O Brasil ficou de fora dos melhores destinos de 2021 elencados pela editora de guia turísticos Lonely Planet. A lista premiou trinta projetos sobre viagens, experiências ou destinos –entre eles, Austrália, Costa Rica e Colômbia.
Tecnologia para garantir conforto e controle sanitário
Usados como reforço em protocolos de segurança, avanços como check-ins digitais e aplicativos de hotéis não devem retroceder. "Em um ano em que resolvemos tanta coisa por celular, esse movimento se reflete em outras experiências. Você não quer mais esperar na fila de hotel", diz Neves.
Além disso, a tecnologia faz parte de uma discussão sobre a adoção de passaporte sanitário para viabilizar viagens. O documento também poderia ser usado para acessar restaurantes, hotéis e atrativos, diz Mariana Aldrigui, da USP.
A Iata está trabalhando em um aplicativo com essa ideia, que deve ser lançado no primeiro trimestre de 2021. A ferramenta permite que o passageiro receba o certificado de teste e de vacinação e compartilhe a informação com companhias aéreas e autoridades.
Continua a procura por lugares mais isolados
A tendência de buscar destinos mais afastados, com abundância de natureza e ar livre, deve continuar em 2021. A depender do calendário de imunização, muitos escritórios e escolas podem oferecer alternativas a distancia, que permitam deslocamento da residência para espaços menos urbanizados, no interior ou no litoral, diz Neves, da Mapie.
Outra modalidade que também deve se fortalecer é o turismo de fim de semana. "Ele sempre existiu, mas a gente nunca prestou muita atenção nele. Não temos nem dados", diz Aldrigui.
Essas viagens curtas, feitas de carro, podem oferecer uma maior sensação de segurança, já que é possível retornar para casa com maior facilidade caso exista um problema.
"Mas ainda precisamos de investimentos em estradas e linhas de crédito para pequenos negócios para que essa modalidade se consolide."