Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos fez um estudo sobre a quantidade de greves no país
O país registrou no primeiro semestre deste ano o menor número de greves desde 2011, em meio à pandemia do novo coronavírus. Segundo dados do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) divulgados em primeira mão à reportagem, foram realizadas de janeiro a junho 354 paralisações, contra 577 em igual período de 2019 -a queda foi de 39%.
De janeiro a março, foram feitas 249 greves de trabalhadores, mas o número recuou a apenas 100 de abril a junho, meses em que medidas de distanciamento social foram adotadas na maior parte do país e o desemprego avançou.
Desde 2017, o número de greves tem diminuído no Brasil, devido à dificuldade de mobilização em meio à crise econômica e posterior lenta recuperação, e também à perda de recursos dos sindicatos com a reforma trabalhista aprovada em novembro daquele ano.
Em 2020, a pandemia se somou a esse cenário desfavorável para reivindicações trabalhistas. Mas a crise de saúde pública também despertou novas categorias para a mobilização, como os entregadores de aplicativos e os trabalhadores de teleatendimento.
Entre as greves realizadas no primeiro semestre, 160 foram feitas por servidores públicos e 194 por trabalhadores de empresas privadas. Nas reivindicações, predominaram pautas relacionadas a atraso de salário, 13º e férias, representando 37% do total de mobilizações. Também tiveram destaque as mobilizações por condições de segurança e EPIs (equipamentos de proteção individual), presentes em 16% das paralisações deflagradas em meio à pandemia.
"Em março, o início da pandemia até suscitou alguma movimentação -entre o pessoal do telemarketing, principalmente- mas o efeito maior, foi no sentido de interromper greves grandes na educação (em Minas Gerais, no Piauí) e na saúde", observa Rodrigo Linhares, técnico do Dieese responsável pelo levantamento.
Segundo Linhares, entre abril e junho, os trabalhadores do transporte coletivo urbano foram praticamente a única categoria a promover paralisações, contra atrasos de salários, demissões e redução de remuneração. As mobilizações aconteceram enquanto as empresas de transporte público alegam dificuldade em sustentar financeiramente o serviço, em meio à queda de receita com a diminuição de passageiros.
O técnico destaca ainda uma forte diminuição nas greves realizadas pelos trabalhadores de OSS (Organizações Sociais de Saúde), entidades privadas contratadas pelo poder público para prestar serviços de saúde.
"Até pouco antes da pandemia, esse era um dos setores em que mais ocorriam mobilizações, em especial contra o atraso no pagamento dos salários", lembra Linhares. "A dúvida está em saber se as OSS, com a centralidade da questão da saúde pública, deixaram de cometer irregularidades trabalhistas ou se as irregularidades continuam a acontecer mas, com o sentido redobrado de urgência na prestação desse serviço, os trabalhadores da saúde têm convivido com os atrasos sem cruzar os braços."
Para o consultor sindical João Guilherme Vargas Netto, a redução do número de greves era esperada diante da desorganização das relações de trabalho provocada pela pandemia.
"Metade dos brasileiros em condições de trabalhar hoje não está trabalhando. E os que estão trabalhando, estão em condições extremamente adversas", diz Vargas Netto. "Numa situação como essa, a surpresa é ainda haver greves."
Segundo o IBGE, em maio, o percentual de pessoas em idade de trabalhar efetivamente ocupadas chegou a 49,5%, queda de 5 pontos percentuais em relação a fevereiro e o mais baixo nível de ocupação da série histórica da Pnad Contínua, iniciada em 2012. É a primeira vez que menos da metade das pessoas em idade de trabalhar está ocupada.
Mesmo em meio a esse cenário adverso, o segundo semestre começou com a greve nacional dos entregadores de aplicativos logo no primeiro dia de julho. Outra paralisação foi realizada pela categoria no dia 14 e nova mobilização está prevista para o dia 25.
"A doença despertou nesses trabalhadores uma consciência nova", avalia Vargas Netto. "Antes da pandemia, eles se julgavam empreendedores, nas palavras do Paulo Galo [líder dos entregadores antifascistas], e descobriram que são subempregados. Aí está uma categoria cuja função e a doença explicitaram uma necessidade que era já anterior."
Outra categoria que ameaça cruzar os braços nesse segundo semestre são os professores, preocupados com as condições que têm sido estabelecidas pelo poder público para retomada das aulas presenciais.
"Estamos construindo a possibilidade de uma 'greve pela vida' nos locais onde se tem a imposição do retorno às atividades presenciais sem a garantia completa da segurança sanitária para toda a comunidade escolar", afirma Heleno Araújo, presidente da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação). Segundo ele, já há indicativo de greve da categoria no município do Rio de Janeiro e também ameaça de paralisação no estado de São Paulo.
José Silvestre, coordenador de relações sindicais do Dieese, avalia, no entanto, que as mobilizações devem continuar limitadas nesta segunda metade do ano. "A tendência de redução no número de greves deve continuar, em meio a um cenário de aprofundamento da crise econômica, com queda do PIB, aumento do desemprego e precarização", diz Silvestre.
Segundo ele, as paralisações que podem acontecer devem ter principalmente caráter defensivo, contra a perda de direitos. "Com a crise, atraso de salários, não pagamento de 13º e de férias e não concessão de reajuste devem continuar motivando greves", afirma.