O nome de urna tem "delegada" e seu material de campanha emula um distintivo
O nome de urna tem "delegada" e seu material de campanha emula um distintivo. As propostas, porém, vão no sentido oposto da agenda de "lei e ordem" associada às candidaturas de policiais.
A deputada estadual Martha Rocha (PDT), ex-chefe da Polícia Civil na gestão Sérgio Cabral, se tornou a principal preocupação dos dois principais candidatos à Prefeitura do Rio de Janeiro no início da campanha: Eduardo Paes (DEM) e Marcelo Crivella (Republicanos).
Martha foi escolhida candidata na esteira da tentativa de Ciro Gomes (PDT) se aproximar do setor de segurança pública com vistas às eleições presidenciais de 2022, em que deve enfrentar o presidente Jair Bolsonaro, associado à pauta.
Ela aparece empatada com Crivella, com 13% das intenções de voto, segundo pesquisa do Datafolha divulgada nesta quinta-feira (22). Também está em empate técnico com a deputada Benedita da Silva (PT), com 10%. Todos atrás de Paes, com 28%.
A ex-delegada, porém, foi a única candidata a subir para além da margem de erro na pesquisa espontânea –quatro pontos percentuais- em comparação ao levantamento do dia 8.
É também quem ameaça, no cenário atual, uma vitória no segundo turno contra Paes. Os dois estão em empate técnico, com a pedetista registrando 45% contra 41% do ex-prefeito.
Equipes das campanhas do ex e atual prefeito avaliam que as intenções de voto em Martha estão infladas com a associação de seu nome de urna à polícia, aderindo um eleitorado que não seria vinculado à esquerda.
"Essa pessoa que falou isso perdeu uma boa oportunidade de ficar calada. Será que a indicação do título por si só é suficiente para alguém escolher [um candidato]?", afirmou ela.
O Datafolha mostra um nível de conhecimento baixo do eleitorado sobre a deputada estadual em segundo mandato. Cerca de um quarto (26%) declara a conhecer bem. A maioria (59%) a conhece apenas "um pouco" ou "de ouvir falar", e 16% dizem não conhecê-la, aponta o levantamento.
Nas redes sociais, perfis vinculados ao bolsonarismo, que apoiam Crivella, já começaram a classificar a pedetista de "delegada socialista". Ela não rejeita o rótulo de esquerda.
"Quem acompanhou minha trajetória na polícia sabe que sempre fortaleci o respeito aos direitos humanos. Incluímos o nome social [de travestis em registros de ocorrência], a motivação de homofobia [em crimes violentos], o que me deu o título de musa LGBT. Na minha gestão, criamos protocolos para atuação nos casos de auto de resistência [pessoas mortas pela polícia]. Se as pessoas querem um rótulo, sou uma delegada de esquerda", afirmou.
O discurso da pedetista é recheado de referências a marcas de Leonel Brizola, como os CIEPs. O programa de governo passa longe das propostas associadas à direita no plano municipal, como internação compulsória de dependentes de drogas ou defesa do uso de arma de fogo pela Guarda Municipal.
O candidato a vice-prefeito é Anderson Quack (PSB), fundador da Cufa (Central Única das Favelas), produtor cultural e autor de um documentário crítico às remoções em favelas.
As bandeiras da candidatura não evitam, contudo, críticas feitas pela esquerda a Martha. As principais se referem a ações da Polícia Civil no período em que a comandou (2011-2014), como a prisão do morador de rua Rafael Braga durante as manifestações iniciadas em junho de 2013.
Ela afirma que não teve atuação direta no caso e que não poderia interferir no trabalho de um delegado por chefiar a corporação.
A candidatura de Martha também foi apontada como uma das responsáveis pela pulverização de postulantes de esquerda. O PDT resistiu a aderir à pré-candidatura de Marcelo Freixo (PSOL), que condicionava entrar na disputa a uma aliança entre os partidos do campo progressista.
A sigla também não conseguiu firmar a aliança com a Rede, ensaiada pouco antes da campanha, que acabou lançando Eduardo Bandeira de Mello, ex-presidente do Flamengo.
"Não foi possível fazer uma frente. Vamos fazer uma campanha com seis mulheres. É um traço a ser destacado. No segundo turno a gente senta e conversa. Benedita e Renata são duas representações políticas importantes. Tenho apreço e respeito por elas", afirmou ela.
Paes, por sua vez, tem buscado questionar os resultados da delegada no período em que chefiou a Polícia Civil. Aponta a alta nos registros de roubo de carro e estupros. O objetivo é questionar a capacidade de gestão da pedetista.
Católica, solteira e sem filhos, Martha foi a primeira mulher a assumir a chefia da Polícia Civil.
Logo no início da carreira de delegada, em 1993, assumiu a DGPE (Departamento Geral de Polícia Especializada). No cargo, viu seu chefe de gabinete e então namorado ser preso sob acusação de intermediar pagamento de propina de bicheiros na polícia.
"Quem testemunhou na acusação foi Martha Rocha. Essa pessoa foi condenada graças ao depoimento de Martha Rocha. Foi demitida da Polícia Civil graças ao depoimento de Martha Rocha. Não é possível que, diante desses fatos, algo de 1993 continue sendo perguntado", disse ela.
O vínculo com a gestão Cabral, também compartilhado pela maioria dos adversários, também não a preocupa. Ela afirma que foi escolhida pelo ex-secretário José Mariano Beltrame sem interferência do governador condenado a mais de 300 anos de prisão.
Como delegada, atuou no caso do ônibus 174, em 2000, no qual indiciou o então comandante do Bope (Batalhão de Operações Especiais), José Penteado, por homicídio culposo pela morte da refém Geísa Gonçalves. Ele foi inocentado depois.
Ao longo de seus 28 anos como delegada, Martha Rocha teve tentativas eleitorais frustradas. Tentou ser deputada estadual em 2002 e 2006 pelo PSB.
Também foi candidata a vice-prefeita em 2004 na chapa encabeçada por Jorge Bittar (PT). Foi eleita pela primeira vez após deixar a chefia de Polícia Civil em 2014, pelo PSD, com 52,7 mil votos, e reeleita pelo PDT com 48,9 mil.
Ela afirma não ver na candidatura de policiais uma possível politização das forças de segurança -seu sucessor no cargo, Fernando Veloso (PSD), é candidato a vice na chapa de Luiz Lima (PSL).
"O direito de participação nas eleições é legítimo a todas as classes. Faz parte da democracia", disse ela.