Por: Matheus Rocha

Após o STF (Supremo Tribunal Federal) determinar a formulação de um plano para reduzir a letalidade policial, o Governo do Rio de Janeiro publicou nesta quarta-feira (23) um decreto criando o Plano Estadual de Redução de Letalidade em Decorrência de Intervenção Policial, medida que já começa a valer a partir de sua publicação.

Assinado pelo governador Cláudio Castro (PL), o decreto tem como objetivo diminuir as mortes em ações da polícia aprimorando três eixos: recursos humanos, recursos materiais e procedimentos administrativos e operacionais.

No primeiro eixo, as Polícias Militar e Civil devem submeter seus integrantes a atividades que permitam desenvolver e aprimorar habilidades socioemocionais. Além disso, devem passar por acompanhamento psicológico.

No entanto, um anexo do próprio decreto diz que os policiais já recebem acompanhamento psicológico e que já dispõem de atividades voltadas à educação socioemocional.

O decreto determina também que a polícia disponha de aulas sobre direitos humanos, algo que, segundo a PM, já existe no currículo de formação dos agentes.

A Folha perguntou ao governo fluminense por que o decreto inclui medidas que já existem, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.

Quanto ao segundo eixo, que versa sobre os recursos materiais, o decreto determina que as polícias invistam em equipamentos de inteligência, como softwares de interceptação de dados e de descriptografia, para diminuir a possibilidade de confronto nas operações.

Os agentes também deverão carregar câmeras portáteis em uniformes para que suas ações sejam gravadas.

O governador Cláudio Castro (PL) já tinha anunciado essa medida em dezembro do ano passado, dizendo que o estado iria fazer a maior aquisição de câmeras portáteis do mundo, com 21 mil dispositivos. Segundo o decreto, os equipamentos também serão instalados em helicópteros e viaturas blindadas.

Já o eixo que trata sobre os procedimentos administrativos prevê que, em operações planejadas e não emergenciais, os agentes não podem utilizar bens públicos, como postos de saúde e escolas, como base de operações. As polícias também devem iniciar operações em horários em que há menor circulação de pessoas, evitando principalmente os horários escolares.

Além dos três eixos, o decreto estabelece a Comissão de Monitoramento e Gestão, cuja função é definir e acompanhar indicadores sobre o plano.

O órgão será formado por seis membros: governador do estado; o secretário de Estado de Polícia Civil; o secretário de Estado da PM; a diretora-presidente do ISP (Instituto de Segurança Pública) e por dois membros indicados pelo governador, que também irá presidir a comissão.

De acordo com Cecília Olliveira, diretora-executiva do instituto Fogo Cruzado, o plano divulgado pelo governo não tem medidas objetivas, cronogramas e previsão de recursos para implementar as ações, medidas que o STF havia determinado.

"O cronograma não tem prazo fixado, por exemplo, para a comissão dizer quais são os indicadores que vão nortear as análises", diz a especialista em segurança pública. "Não tem informações sobre orçamento para a aquisição de equipamento, ou seja, não seguiram a determinação do Supremo."

A especialista diz ainda que é problemático a Comissão de Monitoramento e Gestão não ter uma cadeira fixa para pessoas da sociedade civil. "É preciso ouvir quem é diretamente impactado pela violência. A participação da sociedade foi uma das melhores medidas adotadas na época das UPPs", lembra ela.

O Rio de Janeiro tem índices elevados de mortes em ações policiais. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o estado foi o quinto em letalidade policial em 2020. Já a cidade do Rio foi o município brasileiro com os maiores números absolutos de mortes em intervenções policiais, com 415 vítimas. Os dados estão no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no ano passado.

Também em 2021, duas operações da polícia foram marcadas por um grande número de mortos. Na primeira, em maio, na favela do Jacarezinho, na zona norte da capital fluminense, 27 civis foram assassinados. Na segunda, em novembro, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, oito corpos foram encontrados em uma região de manguezal.

A Prefeitura do Rio passará a receber denúncias de preconceito religioso e étnico-racial, a partir desta sexta-feira (18/3), em todos os canais de atendimento da Central 1746. O serviço irá abranger casos de racismo, antissemitismo e preconceito religioso, que serão encaminhados à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). A iniciativa é da Secretaria de Governo e Integridade Pública (Segovi), por meio da Subsecretaria de Transparência e Governo Digital e da Coordenadoria Executiva de Promoção da Igualdade Racial, em parceria com a Coordenadoria Executiva da Diversidade Religiosa.

Para denunciar, basta abrir uma solicitação no Portal 1746.Rio ou nos demais canais de atendimento — aplicativo, WhatsApp (3460-1746), telefone, Facebook Messenger (/Central 1746) ou presencialmente, na Agência 1746 (localizada na sede da Prefeitura, na Cidade Nova) —, informando nome completo, telefone, e-mail e onde e quando a situação aconteceu. O cidadão também terá a opção de detalhar o ocorrido, informando se conhece o autor do ato de preconceito e, em caso de prática recorrente, há quanto tempo e com qual periodicidade sofre a violência.

– O município precisa estar atento às mazelas do racismo e do preconceito, e trabalhar em consonância com os princípios legais e os órgãos encarregados da investigação dessas ocorrências, para que o Rio seja reconhecido por sua política de tolerância zero à discriminação. Neste sentido, o 1746 é um instrumento imprescindível de governança, uma vez que se trata de um canal direto entre o cidadão e o poder público – destaca o secretário de Governo e Integridade Pública, Marcelo Calero.

Após o recebimento da denúncia, a Central 1746 terá até 10 dias para contatar a vítima e encaminhar o caso à Decradi, responsável pela investigação. Segundo a lei federal nº 7.716/1989, a pena para crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou religião pode chegar a três anos de reclusão.

Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) apontam que, no ano passado, os registros de crimes relacionados ao preconceito étnico-racial e religioso no estado do Rio aumentaram: foram 1.365 casos de injúria por preconceito, contra 1.188 em 2020 (+14,9%); 166 ocorrências de preconceito de raça, cor, religião, etnia e procedência nacional, contra 144 no ano anterior (+15,2%); e 33 registros de ultraje a cultos religiosos (ridicularização pública, impedimento ou perturbação de cerimônia religiosa) — em 2020, foram 23 (aumento de 43,4%).

– Oferecer a possibilidade de acolhimento ao cidadão vítima de preconceito racial ou religioso é, além de um gesto de cuidado, uma forma de garantir que seus direitos sejam respeitados. Quem sofre racismo ou intolerância precisa saber que não está sozinho. A discriminação é um câncer que deve ser enfrentado diariamente, por meio da educação, da cultura, das oportunidades de acesso a padrões de vida dignos e, especialmente, da reparação às vítimas e da investigação justa de crimes de preconceito – lembra o coordenador executivo de Promoção da Igualdade Racial, Jorge Freire.

Canais de atendimento da Central 1746

– Telefone: 1746

Portal

– Aplicativo: 1746 Rio

– WhatsApp: Chatbot pelo telefone (21) 3460-1746. Basta salvar este número e enviar uma mensagem.

– Facebook Messenger: Chatbot pelo com/Central1746. É necessário acessar a página do 1746 na rede social e clicar no botão “Enviar mensagem”.

– Agência 1746: Centro Administrativo São Sebastião – Rua Afonso Cavalcanti, 455, Cidade Nova. Atendimento presencial de segunda a sexta-feira, das 9h às 16h

Por: Júlia Barbon

Um dos oito corpos encontrados pelos bombeiros após as chuvas em Petrópolis no último domingo (20) é, na verdade, de um homem que morreu na tragédia de fevereiro, há mais de um mês. A Polícia Civil identificou entre os mortos o autônomo Antônio Carlos dos Santos, 56.

Ele saiu para ir à igreja naquela tarde em que a tempestade caiu: "Tenho que estar lá no Sagrado ao meio-dia e meio", disse durante uma visita rápida à irmã Maria das Graças dos Santos, 61. Horas depois a cidade ficou submersa, e ele nunca mais voltou.

Desde então, vinha sendo procurado pelos irmãos. Graça chegou a imprimir cartazes com a sua foto e telefones para contato, caminhando e entregando o papel pelas ruas da cidade serrana do Rio de Janeiro quase todos os dias.

"Por mim eu queria achar meu irmão vivo, né? Mas só Deus para ter misericórdia. Não tem jeito, só Jesus mesmo, para dar um conforto à gente. Achar do jeito que achou, só Jesus", disse ela à Folha por telefone nesta quarta (23), enquanto resolvia as burocracias do enterro.

"Nós éramos muito chegados", ela contou quando o desastre completou um mês. Ele costumava fazer biscates, capinava, limpava vidros, mas segundo ela tinha um tipo de transtorno mental e tomava remédios, por isso vivia indo ao médico para tentar uma aposentadoria.

O corpo estava em estágio avançado de decomposição na rua Washington Luiz, no centro da cidade, e foi identificado por exame papiloscópico (impressões digitais).

Nessa mesma rua, mas mais afastado, na altura do bairro Valparaíso, também foram encontradas cinco vítimas das chuvas deste domingo. Entre elas estão Nelson Ricardo Ferreira da Costa, 59, e a idosa Heloisa Helena Caldeira da Costa, 86.

As outras duas pessoas mortas já reconhecidas no posto da perícia da cidade são o casal Jussara Belarmino Souza e Carmelo de Souza. Ambos foram encontrados no Morro da Oficina, no bairro Chácara Flora, cenário do maior deslizamento de fevereiro.

Falta a identificação oficial de três pessoas. O número bate com os desaparecidos registrados pela Polícia Civil até agora: Miriam Gonçalves do Valle, Vanila de Jesus da Silva e Mário Augusto Queiroz Carvalho.

Após as últimas identificações, o saldo das duas chuvas em Petrópolis subiu para 241 mortos (234 em fevereiro e 7 em março) e 6 desaparecidos (3 em fevereiro e 3 em março).

Os bombeiros seguem fazendo buscas, diversas ruas continuam interditadas, e algumas linhas de ônibus ainda estão paralisadas. As escolas reabriram nesta quarta entre a região do Retiro e o distrito da Posse, e devem reabrir nesta quinta (24) no primeiro distrito.

A Defesa Civil registrou mais de 700 ocorrências desde o fim de semana, a grande maioria por deslizamentos. Somando as duas tempestades, quase 1.200 pessoas estão vivendo em abrigos montados em colégios ou instituições voluntárias atualmente.

A tragédia deste verão foi a maior da história da cidade, superando em número de vítimas as grandes chuvas de 1988 (171 mortos) e de 2011 (73 mortos e cerca de 30 desaparecidos), quando o estrago foi maior em outros municípios da região.

Os moradores que tiveram seus lares atingidos ainda improvisam, já que em sua maioria continuam sem casa, sem aluguel social e sem perspectivas. Muitos seguem morando com parentes e amigos, e outros voltaram para seus lares em áreas de risco –parte deles ainda sem laudo da Defesa Civil.

Os imóveis de baixo custo que já eram escassos na cidade agora são quase inexistentes, e em áreas consideradas seguras custam muito acima dos R$ 1.000 que as famílias devem receber do governo do estado e da prefeitura. Proprietários também temem eventuais falhas no pagamento do benefício.

Reforçar a importância da parceria entre os moradores e a polícia. Esse foi um dos pontos abordados pelo novo comandante do 2º BPM, Fábio Corrêa, na reunião mensal do Conselho Comunitário da 2ª Área Integrada de Segurança Pública. O encontro aconteceu na manhã desta quinta-feira, no auditório do Colégio Franco-Brasileiro, em Laranjeiras.

Presidente do CCSP/2ªAISP, Regina Chiaradia, novamente, agradeceu a maneira com a qual o Franco recebeu mais uma reunião da entidade:

- É sempre motivo de enorme orgulho para nós esta acolhida do colégio. Muito obrigada - agradeceu Regina.

Em suas boas-vindas, o comandante do 2º BPM apresentou os dados (atualizados até o dia 15 de março) dos principais índices de violência da região em 2022. Nos quesitos roubo de veículo (65 a 51),crimes de rua (445 a 430) e roubo de carga (7 a 1), houve uma redução em relação às metas/números reais.

O tenente-coronel Fábio Corrêa chega ao 2º BPM após 1 ano e meio comandando o 32º Batalhão, em Macaé, onde sua equipe conseguiu reduzir os principais índices de violência:

- Lá o batalhão abrange seis municípios e mais de 500 mil habitantes, a população aumenta bastante no verão. É uma unidade complexa, mas conseguimos bater a meta e ter um excelente relacionamento com a sociedade civil organizada, com o conselho comunitário, com os delegados, boa parceria com as prefeituras, com as câmaras - comentou o tenente-coronel.

Nas palavras do novo comandante, gratidão à maneira com a qual foi acolhido na unidade e pelos moradores. E o compromisso de lutar pela segurança na região:

- Chegamos com muita vontade de trabalhar, de interagir, sabemos que as demandas são inúmeras. Há também as ações que não são só de polícia, pertencem a outros órgãos. Mas, se não forem cuidados na origem, vão resultar em problemas de segurança pública. Estamos atentos, vamos interagir bastante, o que for imediatamente da competência, vamos fazer intervenções rápidas, a não ser que haja algum problema de caso fortuito. O batalhão está de portas abertas. É muito importante a interação polícia-população, no sentido de orientar, passar informação. Sem essa alimentação de dados para nós, fica difícil. Muitas ocorrências são oriundas das informações que recebemos nas redes sociais ou do disque-denúncia.

Já está no radar do comandante Fábio, por exemplo, o crescimento do roubo de rua no Aterro do Flamengo, no horário noturno e de madrugada. E o policiamento, garante o tenente-coronel, tem sido direcionado para lá.

- Reforcei a importância do nosso setor de análise criminal estar atento às mudanças de horários e modus operandi dos criminosos, para tentar identificá-los - contou o líder do 2º BPM.

Na reunião do Conselho de Segurança, tanto o comandante do 2º BPM quanto os representantes da Polícia Civil e da Prefeitura ouviram relatos, agradecimentos e denúncias de lideranças comunitárias. Entre elas, a constante (e praticamente diária) desordem urbana na Praça São Salvador, na Urca e a presença em vários locais da população de rua.

- Contamos com apoio dos órgãos da prefeitura para a gente tentar cadastrar os moradores de rua, que acabam impactando também, porque alguns dele, infelizmente, praticam delitos naquelas regiões - destacou o comandante do 2º BPM.

Por: Matheus Rocha e Júlia Barbon

O número de desabrigados em Petrópolis subiu para 643 depois do forte temporal que atingiu a cidade neste domingo (20). Eles estão sendo atendidos em pontos de apoio espalhados pelos bairros, onde já estavam vivendo cerca de 400 pessoas desde a última tragédia.

O município serrano do Rio de Janeiro voltou a sofrer com as chuvas cerca de um mês após o maior desastre de sua história recente, que deixou 233 mortos e 4 desaparecidos. Desta vez foram 126 ocorrências registradas, 107 delas por deslizamentos.

Ao menos cinco pessoas morreram e três estão desaparecidas desde o último fim de semana, segundo o Corpo de Bombeiros. Dois óbitos ocorreram no Alto da Serra, dois na região central e um no bairro Valparaíso. Uma pessoa também foi resgatada com vida.

Em 24 horas, caíram 536 milímetros de água, mais que o dobro do acumulado no dia da tragédia (260 milímetros) -quando a chuva, porém, ficou concentrada em poucas horas. Era a marca mais alta desde o início das medições, em 1932.

O maior volume pluviométrico em dez horas durante a tarde e a noite deste domingo ocorreu no bairro São Sebastião, com 415 milímetros, e também nas localidades Coronel Veiga (375 milímetros), Dr. Thouzet (364 milímetros) e Vila Felipe (337 milímetros).

Entre as áreas mais afetadas desta vez estão também Alto da Serra e Chácara Flora, regiões que já haviam sido castigadas em 15 de fevereiro. Cruzes que foram fincadas na praça da Águia em homenagem às vítimas, quando o evento completou um mês, foram arrastadas.

Em razão das chuvas, a vacinação contra a Covid-19 foi paralisada, e a Secretaria de Educação de Petrópolis decidiu suspender as aulas nas escolas e centros de educação infantil públicos e privados. Diversas ruas estão interditadas, e linhas de ônibus, interrompidas.

"Todas as pessoas estão recebendo o suporte da Secretaria de Assistência Social para o atendimento das necessidades essenciais e a Defesa Civil percorre todos os pontos de apoio para cadastrar os registros de ocorrências e realizar a vistoria dos imóveis", afirmou a prefeitura.

​A tempestade também afetou as buscas voluntárias pelos desaparecidos no último desastre. O marceneiro Leandro da Rocha, 48, que tem liderado essas ações, diz que foi surpreendido quando voltava com três companheiros do rio Quitandinha, que transbordou novamente, alagando o centro da cidade.

"Desceu água tudo de novo, a cidade está submersa. Eu estou ilhado aqui, consegui parar o carro num ponto mais alto. Muita chuva, muita água descendo de novo, coisas sendo carregadas. Estou aguardando isso tudo parar de novo, não sei o que vai ser. É difícil, tudo de novo, só Deus para nos ajudar mesmo", afirmou.

Em nota, a Defesa Civil Estadual e o Corpo de Bombeiros disseram que estão mobilizados para prevenir e minimizar os danos causados.

"Em Petrópolis, cerca de 150 militares atuam na resposta às ocorrências provocadas pelas chuvas, com apoio das unidades especializadas, incluindo as equipes do Grupamento de Busca e Salvamento, Socorro Florestal e Meio Ambiente, com suporte dos cães farejadores da corporação", afirmaram.

Por: Júlia Barbon 

Onde moram dois, moram sete. "O pobre se adequa a tudo", diz a manicure Gabriela Silva, 36, que dorme na sala desde que precisou se mudar com o pai, a irmã e dois sobrinhos para a casa que seu namorado dividia apenas com o sogro.

A sua "tremeu toda" quando uma barreira deslizou logo acima, no bairro Alto da Serra, na tarde daquele 15 de fevereiro que marcou a história de Petrópolis (RJ). Não quer mais voltar para lá porque ficou apavorada, mas até agora não encontrou alternativas.

Um mês depois da chuva que deixou ao menos 233 mortos e 4 desaparecidos, os que tiveram seus lares atingidos pela tragédia improvisam, já que em sua maioria continuam sem casa, sem aluguel social e sem perspectivas.

Muitos seguem morando com parentes e amigos dentro ou fora do município, outros voltaram para seus lares em áreas de risco –parte deles ainda sem laudo da Defesa Civil–, e cerca de 700 seguem nos 21 abrigos montados em escolas ou instituições voluntárias.

Os imóveis de baixo custo que já eram escassos na cidade agora são quase inexistentes, e em áreas consideradas seguras custam muito acima do que as famílias devem receber do poder público. Proprietários também temem eventuais falhas no pagamento do benefício.

Gabriela, por exemplo, passou os últimos dias mandando mensagens para mais de dez locadores em busca de uma moradia. "O último me pediu três cauções, aluguel do mês, dois fiadores e o nome limpo. E eu nunca paguei aluguel nem recebi benefício de governo na vida", conta.

O corretor Marco Von Seehausen, que atua no município há 30 anos, afirma que os donos de imóveis em geral estão solidários, mas inseguros. "Essa é a pergunta que mais me fazem: e depois que pararem de pagar, como fica? Ninguém sabe responder", diz.

Ele considera os valores anunciados pelo governador Cláudio Castro (PL) e pelo prefeito Rubens Bomtempo (PSB), de R$ 800 e R$ 200 mensais, respectivamente, irrisórios diante da realidade de Petrópolis –que, segundo ele, pode ser comparada à da zona sul do Rio. "Com R$ 1.000 reais não se aluga nada aqui, vão continuar no morro", assegura.

Poucos conseguiram firmar contratos de aluguel por meio da prefeitura. Foram cerca de 180 famílias até agora, com prioridade aos desabrigados, sendo que quase 3.000 solicitaram o benefício ao governo fluminense até 5 de março. O município fala que está finalizando seu levantamento.

A falta de informações é o que tem deixado os afetados mais apreensivos. "Está um caos", diz Cláudia Renata Ramos, presidente da Comissão das Vítimas das Tragédias da Região Serrana. "As famílias estão bem perdidas, com informações desencontradas", critica.

Em meio a rusgas entre cidade e estado, ainda não ficou claro para os moradores como, quando e por quanto tempo o aluguel social será pago.
Segundo a gestão de Castro, a prefeitura disse à Justiça que faria o repasse no décimo dia útil, mas o município afirma que ficou acertado o pagamento unificado no quinto dia útil. O benefício municipal valerá por um ano e o estadual, por dois anos, podendo ser renovados.

Outra dúvida é de que forma será depositado o dinheiro. Segundo o governo, a legislação estadual determina que seja na conta cadastrada no CadÚnico (registro federal de famílias de baixa renda), porém a cidade vai pagar a sua parte diretamente na conta do proprietário dos imóveis alugados.

"A falta de informação é o que está matando todo mundo", corrobora o vereador Yuri Moura (PSOL), presidente da comissão especial de assistência social e moradia da Câmara Municipal. "Há uma confusão entre os cadastros, e as famílias não têm um ambiente para acompanhar a fila, saber os critérios. Em outras ocasiões foi bem mais organizado."

A prefeitura afirma que "todas as pessoas recebem o suporte para as necessidades essenciais, além de atendimentos em assistência social, saúde e acompanhamento psicológico" e que "as famílias estão sendo orientadas quanto ao aluguel social".

Uma das que vive essa aflição é a ajudante de cozinha Sara Aparecida Luiz, 40. Depois de perder dois filhos, dois sobrinhos, a irmã e a casa na tragédia, ela fez o cadastro em uma das escolas da cidade, onde pediram que ela aguardasse um contato.

Agora estão morando de maneira improvisada em um imóvel que o patrão da sua mãe, empregada doméstica, arrumou. "Aqui também não aceitam o aluguel social, a gente vai ter que ver o que fazer para dar um jeito. Não temos mais psicológico para voltar para abrigo", relata.

Como houve quase 5.000 deslizamentos desde a chuva, os laudos da Defesa Civil estão represados. Diante da altíssima demanda, o órgão interditou áreas inteiras e agora está indo em cada casa ver se continuam em risco. Mais de 1.600 laudos foram concluídos e 3.000 vistorias estão em andamento –o documento não é necessário para pedir o aluguel.

A construção de moradias permanentes também segue como plano distante. O município afirma que auxilia o estado na procura por terrenos e que disponibilizou um no distrito de Corrêas para 300 unidades. Mas os vereadores dizem que ainda não existe nada de sólido e preparam um inventário para pressionar as autoridades.

"Juntou o desespero dessas famílias com as de outras tragédias, porque elas estão vendo que essas estão conseguindo as coisas e elas estão desde 2011 sem conseguir nada", lembra Cláudia Renata, da comissão de vítimas.

Segundo Yuri Moura, outras 400 já recebiam aluguel social e aguardavam moradias antes do desastre.

Um mês depois, muitos continuam vivendo das doações, que agora estão minguando. O galpão da prefeitura tem recebido 15% do que recebia nos primeiros dez dias, mas guarda estoque suficiente de comida, água e materiais de limpeza e higiene, buscando por móveis e eletrodomésticos.

ONGs como a Ação da Cidadania também registram uma forte baixa e acumulam mantimentos e dinheiro para os próximos meses, quando sabem que a situação econômica ficará pior. A Viva Rio atribui a diminuição às atenções voltadas à guerra na Ucrânia e ao Carnaval e espera um aumento na ajuda de empresas, que costuma demorar mais.
Já os comerciantes tentam recomeçar. Segundo Marcelo Fiorini, presidente do Sicomércio (Sindicato do Comércio Varejista) de Petrópolis, cerca de 80% das lojas afetadas já haviam reaberto até a semana passada, mas ainda sofrem com o movimento fraco.

Cadastradas, elas esperam agora pelas linhas de crédito anunciadas pelo governador e pela flexibilização das dívidas contraídas anteriormente, na pandemia. Serão até R$ 5.000 concedidos para autônomos, informais e microempreendedores e até R$ 500 mil para micro, pequenas e médias empresas.

"Era para ser algo de urgência, e não para demorar dois, três meses", reclama Addison Meneses, presidente do Sindicato das Indústrias de Confecção da cidade. "Agora a gente ainda está vivendo... Não vou falar o caos, mas as consequências do caos", diz ele.